terça-feira, 20 de junho de 2017

história do canhão da guerra de 14 - Daniel Walker

O canhão mostrado na foto é uma relíquia histórica, pois representa o símbolo da resistência de Juazeiro às investidas das tropas rabelistas na Sedição de 1914, na qual Juazeiro saiu vitorioso. A história desse canhão é bem interessante e pitoresca. 

Quando as forças militares estaduais do governador Franco Rabelo estavam se mostrando ineficientes para conter a rebeldia das forças de Juazeiro, um empresário fortalezense, Sr. Emílio Sá, dono de uma padaria no centro comercial da capital cearense, teve a ideia de fazer um canhão que seria, segundo ele,  "a arma fatal para dizimar os rebeldes". 

O canhão foi fundido em bronze proveniente de um grande volume de moedas doadas pela população de Fortaleza, numa campanha feita à pressa, mas que deu bom resultado, porquanto em pouco tempo todo o bronze necessário para fundição do canhão de um metro estava à disposição do idealizador.  

A chegada desse canhão, esperava-se, daria maior ânimo às forças rabelistas sediadas na cidade de Crato, cuja esperança de vitória havia desaparecido. Embora a fundição do canhão tenha sido feita rapidamente, seu transporte para o Crato foi uma empreitada longa, cansativa e, quando em combate, a ação foi desastrosa. 

Como a linha de ferro só ia de Fortaleza a Iguatu, o transporte do pesado artefato até o Crato foi feito numa carroça puxada por uma parelha de bois, trafegando numa estrada enlameada devido às fortes chuvas que banharam na época a região Caririense. Não foi nada fácil!

Com a chegada da arma fatal, o falastrão major Ladislau, comandante das forças rabelistas, num arroubo de arrogância mandou soltar um boletim espalhafatoso para despertar nervosismo nas tropas de Juazeiro, o qual entre outras coisas desaforadas dizia o seguinte: “O Juazeiro vai ser bombardeado a dinamite por poderosos canhões vindos de Fortaleza com extraordinários reforços de soldados e de munição. Rendei-vos, ainda é tempo”. 

No tocante aos canhões mentiu, pois só era um exemplar; porém disse a verdade quanto ao reforço de munição (vieram 100 mil cartuchos) e ao número de soldados (vieram mais 150 homens da Guarda Cívica). 

Irado com o desaforo do major Ladislau, o comandante Floro decidiu revidar e emitiu também um boletim, no qual vociferou: “Lemos o imundo boletim que vocês, acovardados, fizeram circular. Fiquem sabendo que aqui ninguém tem medo dos seus canhões, nem das suas 100 mil balas, nem das suas dinamites. Deixem de ser pulhas e venham, se têm coragem, para correrem pela segunda vez e última vez. Porque agora não daremos mais tréguas, podem ficar certos. Venham, venham, venham!”.  
Mais tarde ficou comprovado o quanto Floro tinha razão ao fazer tais afirmações. Mas o major Ladislau, fanfarrão como era,  não perdeu a oportunidade de enraivecer Floro mais uma vez e mandou outro boletim desaforado nos seguintes termos: “Floro, seu bandido. Nestes dias te mostrarei como se zomba de um governo. Tua cabeça irá para Fortaleza servir de exemplo9 aos outros miseráveis teus companheiros. Floro, ladrão, Não terás a honra de morrer a tiros, mas sim sangrando no coração, miserável”. 

Depois o major Ladislau viu a besteira que fez, pois nada do que prometeu se realizou. 
A ordem que veio de Fortaleza era clara: para que a estreia do canhão tivesse amplas condições de lograr êxito era preciso antes matar Juazeiro de fome, através de um bloqueio nas estradas, evitando assim que os gêneros alimentícios chegassem à cidade. E o bloqueio de fato foi feito, porém Dr. Floro, estrategista como era, encontrou uma solução eficaz, mesmo sem contar com a anuência do Padre Cícero, seu cúmplice no comando da sedição. 

A solução empregada foi efetuar saques aos depósitos de alimentos dos sítios da vizinhança onde os soldados rabelistas não estavam vigiando. Padre Cícero não concordou com tal medida porque achava que isso se constituía crime de roubo. Diante da advertência do Padre Cícero, Floro retrucou com veemência: “Deixe de escrúpulos e me dê carta branca para resolver essa parada, se não quiser ser degolado pelos soldados da polícia!”.  

E Padre Cícero não teve outra alternativa, senão calar-se e deixar tudo a critério de Floro. 
Como a ideia do boicote das estradas não surtiu o efeito esperado, o major Ladislau foi obrigado  a antecipar a estreia do tão esperado canhão. Mas logo no tiro de ensaio, realizado ao ar livre para toda a população cratense assistir, o canhão de Emílio Sá foi uma tremenda decepção, pois o tiro literalmente saiu pela culatra. O estrondo foi realmente grande e destruiu a carroça de madeira que lhe servia de base, sendo preciso improvisar um novo estrado, agora de ferro e feito à pressa.

O primeiro tiro do canhão foi um sucesso, mas apenas em estrondo e fumaça, e isso certamente desanimou o comandante da tropa rabelista. Mas como não havia tempo a perder, o certo mesmo era retomar os ataques a Juazeiro, na esperança de que o canhão, cujo fracasso inicial não era do conhecimento das tropas rebeldes, cumprisse a missão para a qual foi construído. 

Assim, no dia 21 de janeiro de 1914, mesmo contrariando a ordem do governo de prolongar o boicote das estradas,  o desastrado major Ladislau ordenou um novo ataque, agora com mais munição e  o reforço da Guarda Cívica, vindo de Fortaleza. 

Essa Guarda Cívica não era propriamente uma tropa militar com treinamento de caserna. Era, na verdade, um grupo de civis voluntários convidados em cima da hora e portanto sem nenhum preparo para a luta armada. Ela teve de ser acionada porque praticamente todo o contingente militar do governo já estava em campo. Os poucos militares que não foram deslocados para o Crato ficaram para guarnecer a capital. 

Em combate, o canhão foi mesmo um tremendo fracasso! Seu tiro era de fato estrondoso, entretanto tinha pouco alcance, de tal forma que o projétil lançado nunca chegava ao alvo esperado. Serviu mesmo foi de gozação para as tropas de Juazeiro. Toda vez que se ouvia o tiro do canhão, os rebeldes de Juazeiro gritavam em coro: “Xô, maldita!”. E a bola de chumbo quente passava longe do alvo. 

Sem o canhão render o esperado, o major Ladislau ordenou o recuo das suas tropas para Barbalha, em vez de Crato, e em lá chegando, deu a ordem jamais ouvida  num campo de combate: “Camaradas, é triste confessar; mas o Padre Cícero ganhou a guerra. Deus é grande, o Padre Cícero é maior. Mas o mato é maior ainda do que os dois juntos. Cada um cuide de si e ganhe o matagal”. 

Não foi preciso muito tempo para a tropa seguir o conselho. Ali mesmo, muitos soldados amedrontados debandaram; outros preferiram tirar a farda e fugir como se fossem civis, pois o mais importante naquele momento era não estar no local quando as tropas rebeldes chegassem a Barbalha. 

O canhão foi abandonado nos arredores da cidade e depois foi trazido pelas tropas vitoriosas até ao centro  e exibido como troféu de guerra, sob caloroso aplauso da população. 

O canhão (visto na foto abaixo) hoje está exposto no Memorial Padre Cícero, sendo uma peça bastante apreciada pelos visitantes. 


sábado, 6 de maio de 2017

Quem faz parte da matriz de formação histórica de Juazeiro - Daniel Walker

Muitas pessoas aqui em Juazeiro se incomodam quando associam à história da cidade jagunços, cangaceiros, beatos, romeiros, Maria de Araújo e (pasmem!) até mesmo o Padre Cícero. 
Elas agem assim por absoluta falta de conhecimento do processo de formação histórica da cidade. Pois, de fato, na matriz da formação histórica de Juazeiro todos esses elementos lá estão, como personagens inapagáveis. 
Com este texto apresento algumas argumentações básicas para um melhor entendimento dessa questão. 
Jagunços e cangaceiros. Os jagunços e cangaceiros prestaram relevante serviço a nossa comunidade, quando em 1914, sob a liderança de Dr. Floro Bartholomeu da Costa, eles com sua bravura ajudaram a derrotar as tropas do governador  Franco Rabelo, apeando-o do poder. Se Juazeiro dependesse apenas dos seus pacatos moradores e dos dóceis romeiros, teria sucumbido face ao tremendo poderio das forças rabelistas que cumpriam ordens do rancoroso governador no sentido de destruir a cidade e dizimar a população. 
Padre Cícero por sua bondade e carisma era uma espécie de imã para atrair a Juazeiro jagunços e cangaceiros. Por isso, muitos historiadores inescrupulosos escreveram em seus livros, de forma leviana, que ele era coiteiro de cangaceiros. Na verdade, Padre Cícero não acoitava e sim, acolhia.  E esses escritores sabiam muito bem distinguir a diferença entre os dois termos; mas na intenção de denegrir a imagem do fundador de Juazeiro teimavam em carimbar na sua (dele) biografia o termo coiteiro, no seu sentido mais pejorativo. 
Padre Cícero dizia que esta cidade era um refúgio dos náufragos da vida; por isso, quem a procurava como última estação da esperança recebia dele o melhor acolhimento. Assim aconteceu, por exemplo, com os cangaceiros Sinhô Pereira e Luiz Padre, os quais se regeneram graças à ação do Patriarca de Juazeiro, e terminaram a vida como cidadãos pacatos. Isso não é ficção, é fato real, comprovado.
Então, não há motivo para ninguém se incomodar com a presença de jagunços e cangaceiros  na história desta cidade. Eles estão presentes na história de muitos lugares. 

Romeiros. O encantamento que esta cidade proporciona só ocorre por causa dos romeiros e suas romarias. Sem eles Juazeiro seria um lugar comum como tantos que existem no mundo, ou talvez, nem sequer existisse no mapa do Brasil. 
Não há dúvida, a cidade é romeira, autenticamente romeira, em que pese isso incomodar alguns juazeirenses nativos recalcitrantes, tanto de ontem como de hoje. 
Na verdade, atualmente em Juazeiro há poucas famílias sem DNA romeiro no sangue. Assim, poucos filhos da terra poderão se apresentar como sendo de uma cepa genuinamente juazeirense. O restante ou é romeiro; ou filho de romeiro; ou neto de romeiro; e isto não deve ser motivo de insatisfação para ninguém, pois os romeiros independentemente de qualquer julgamento ou análise são protagonistas da história e agentes do progresso e do desenvolvimento desta grande cidade. 
Por isso, a presença deles aqui precisa ser respeitada e valorizada, porquanto representa uma contribuição inestimável na formação histórica e cultural juazeirense.
Os romeiros vieram a Juazeiro atraídos pelo Padre Cícero e para aqui trouxeram suas agruras e sonhos, mas também sua cultura, sua história de vida, sua culinária, seus saberes, seus fazeres,  sua crença religiosa e por conta da procedência de cada um, eles terminaram  transformando Juazeiro no grande mosaico de etnias nordestinas. Ao chegarem aqui, eles não apenas ocuparam e cultivaram um espaço geográfico delimitado por quilômetros quadrados, mas construíram uma espacialidade da qual floresceu uma grande Nação Romeira, sem igual em parte alguma do mundo. 
Portanto, é preciso que os representantes da população nativa se conscientizem de que no sangue que faz pulsar o coração de Juazeiro do Norte existe uma genética romeira, e isto faz, sim, muita diferença. Sem romeiros e sem romarias, Juazeiro deixa de ser a Terra do Padre Cícero. 

Beatos e beatas. Os beatos e beatas foram grandes auxiliares da ação pastoral do Padre Cícero. São eles que dão o tom de cidade mística a Juazeiro. E isso não deve ser motivo de insatisfação para ninguém daqui. Aliás, ser uma cidade mística é antes de tudo um privilégio, pois existem poucos lugares assim no mundo. E misticismo não é fanatismo. Cidade mística é cidade santa. E isto desperta interesse turístico. Até na Europa!
A beata Maria de Araújo foi “uma  das maravilhas da graça de Deus”, na opinião abalizada do seu mentor espiritual, Padre Cícero. Independentemente de ser ou não verdadeiro o milagre por ela protagonizado, sua vida é um atestado eloquente de humildade e resignação. É a mulher mais importante da história de Juazeiro. Gostar ou não gostar dela, é atitude de foro íntimo de cada um dos habitantes de Juazeiro, mas sua consagração já está registrada na história da cidade. Juazeiro é o resultado imediato do milagre da hóstia, seja ele verdadeiro ou não. Quem conhece a vida da beata Maria de Araújo vai ver que ela não corresponde à figura projetada nos livros pelos seus difamadores. Ninguém está obrigado a considerá-la santa, pois a Igreja ainda não a considera como tal: mas uma santa mulher sem dúvida ela foi. 

Padre Cícero. Ele nunca foi unanimidade nem poderia ser, pois isso até hoje ninguém conseguiu na face da Terra. Nem Deus, cuja existência é negada pelos ateus. Mas pra Juazeiro ele é tudo, mesmo que isso incomode algumas pessoas, especialmente motivadas por crença religiosa. Mas deixando de lado este aspecto singular, é dever de todo juazeirense ou pessoa de fora aqui residente, por uma questão de coerência e gratidão, respeitar o cidadão Cícero Romão Batista, o fundador da cidade de Juazeiro do Norte. Ele foi, e continua sendo mesmo depois de morto,  o maior benfeitor desta cidade. Sem sua presença é pouco provável que o povoado fundado pelo Padre Pedro Ribeiro  de Carvalho pudesse um dia se desmembrar do jugo do município de Crato. É fácil perceber o quanto isso é verdade, pois basta verificar o que aconteceu de 1827, quando nasce o povoado, até 1871 quando chega o Padre Cícero. Nada! O lugar era um mísero aglomerado humano sem a menor perspectiva de crescimento. A partir da chegada do Padre Cícero, tudo mudou. 
Enfim, quem não gosta de Juazeiro do jeito que é, está  morando no lugar errado. Porque quer. 



domingo, 22 de janeiro de 2017

Devotos da Mãe das Dores celebram Centenário da primeira paróquia de Juazeiro do Norte

Programação festiva contou com procissão pelas ruas da cidade e encerramento com Missa de Ação de Graças pelos 100 anos da primeira paróquia da Terra do Padre Cícero. 

Fonte: Basílica Menor de Nossa Senhora das Dores/ Fotos: Rozélia Costa e Patrícia Silva
O município de Juazeiro do Norte viveu um momento histórico na noite de 6ª feira (dia 20). O Centenário da Paróquia de Nossa Senhora das Dores reuniu milhares de pessoas de vários estados do Nordeste. Bispos, sacerdotes, diáconos, seminaristas, agentes de pastorais, autoridades, paroquianos e romeiros participaram da programação festiva, a qual contou com procissão pelas ruas da cidade e encerramento com Missa de Ação de Graças pelos 100 anos da primeira paróquia da Terra do Padre Cícero.

O sol se despedia quando os devotos de Nossa Senhora das Dores e do Padre Cícero se reuniram no largo da Capela do Socorro para o início da procissão. No cortejo, o carro-andor com a imagem primitiva de Nossa Senhora das Dores e do Padre Cícero Romão foi conduzido pelos fiéis em clima de oração, alegria e devoção. As demais paróquias da cidade também participaram do momento com as imagens de seus respectivos padroeiros, representando assim a unidade entre a devoção à padroeira de Juazeiro e as demais devoções presentes na história do município.

A procissão foi acolhida, em clima de festa, na Praça dos Romeiros, localizada na Paróquia de Nossa Senhora das Dores – Basílica Santuário, onde o bispo da Diocese de Crato, dom Gilberto Pastana de Oliveira, presidiu a Santa Missa em Ação de Graças pelo Centenário. A celebração foi concelebrada pelo bispo emérito de Crato, Dom Fernando Panico; pelo bispo da Diocese de Sobral, Dom José Luiz Gomes de Vasconcelos; pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de Fortaleza, dom Rosalvo Cordeiro e pelo bispo emérito de Palmares (PE) e atual Administrador Apostólico da Arquidiocese da Paraíba, dom Genival Saraiva de França.

Passeio pela história 



 Dom Gilberto Pastana coroa a imagem primitiva de Nossa Senhora das Dores, adquirida peloi Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro e que pontificou na capelinha construída em 1827 até a chegada da nova imagem adquirida pelo Padre Cícero em 1875.

Durante sua homilia, dom Gilberto Pastana de Oliveira fez memória da história da Paróquia de Nossa Senhora das Dores ao longo destes 100 anos, enfatizando a importância da mesma para a cidade de Juazeiro e para a Diocese de Crato. As palavras do bispo diocesano fizeram um verdadeiro passeio na história de Juazeiro. A conferir:


“O trabalho de estudar e reescrever a história da Paróquia de Nossa Senhora das Dores, de Juazeiro do Norte, nos traz a constatação de que esta criação foi uma conquista difícil para o Povo de Deus residente na Terra do Padre Cícero. Por conta do episódio que se convencionou chamar de “Milagre da Hóstia”, ocorrido em 1889, o qual não foi aprovado pelas autoridades da Igreja, levou a Santa Sé a enviar de Roma, para o Bispo de Fortaleza, uma recomendação, com data de 17 de fevereiro de 1898, onde constava:

“O Bispo de Fortaleza deveria providenciar o quanto antes um vigário para cuidar da cura das almas de Juazeiro. Deveria ser um sacerdote prudente, com residência na sede da freguesia e, portanto, em Juazeiro”.

No entanto, por motivos diversos, essa determinação do Vaticano só foi cumprida em janeiro de 1917, quando já havia sido criada e instalada a Diocese de Crato. Deve-se, portanto, ao primeiro bispo de Crato, Dom Quintino, o atendimento desse pedido, o anseio maior da população de Juazeiro do Norte, que era de possuir a sua sonhada paróquia.

Nunca é demais recordar, o que consta no livro “O Padre Cícero que eu conheci”, da educadora e historiadora Amália Xavier de Oliveira, de saudosa memória: “De 1889 até 1917, a população católica de Juazeiro do Norte ficou sem assistência religiosa. E mesmo assim perseverou na fé! De início, para a confissão, assistência à missa e outras solenidades católicas, grupos de pessoas se dirigiam, a pé, até a vizinha cidade de Crato. Ao assumir a recém-criada Diocese de Crato, em 1º de janeiro de 1916, Dom Quintino determinou ao Vigário de Crato, monsenhor Pedro Esmeraldo, que dedicasse o terceiro domingo de cada mês, vindo até Juazeiro para confessar, celebrar, batizar e administrar outros sacramentos.

Em 22 de dezembro aquele ano, Dom Quintino fez sua primeira visita pastoral ao município de Juazeiro. A cidade em peso foi às ruas aguardar a chegada do novo bispo, que vinha de Missão Velha, a cavalo. Antes de terminar a visita pastoral uma comissão de notáveis juazeirenses visitou Dom Quintino e pediu a criação da Paróquia de Juazeiro do Norte. Dom Quintino prometeu atender ao pedido. E cumpriu a promessa”.

O decreto de criação foi assinado há exatamente cem anos. E de lá para cá, a influência da Igreja Católica foi consolidada como a principal característica desta cidade.

Ao longo deste século, Juazeiro cresceu e ganhou mais 11 paróquias. E a centenária Paróquia de Nossa Senhora das Dores possui um histórico de evangelização, que se espalha hoje por todo o Nordeste brasileiro. Milhares de romeiros do semiárido nordestino – e até de outras regiões brasileiras – para aqui vêm em romarias. A devoção a Nossa Senhora das Dores, por conta disso, cresceu no espaço territorial que se convencionou chamar de “Nação Romeira”.

A comemoração do centenário de existência da Paróquia de Nossa Senhora das Dores possibilita o amadurecimento e fortalecimento dos fiéis, despertando um maior compromisso desse povo cristão no resgate e prática da nossa fé católica.

Hoje, com imensa gratidão ao Deus Uno e Trino, a Nossa Senhora das Dores, aos bispos e padres que prestaram serviços a esta paróquia e à cidade de Juazeiro do Norte, ao Povo de Deus que perseverou na fé apesar de tantas dificuldades, externamos o nosso júbilo pelos cem anos de caminhada e por fazermos parte desta história.

Celebramos, com imensa alegria, este tempo de renovação da nossa fé, de compromisso missionário evangelizador, da realidade de vermos o Padre Cícero reconciliado com a Igreja a quem ele sempre foi fiel.

Por tudo isso, renovamos – neste momento – ao Deus Altíssimo, Onipotente e Bom Senhor, o louvor, a glória e a honra para sempre. Amém”.


Altar da Missa do Centenário da Paróquia de Nossa Senhora das Dores


domingo, 15 de janeiro de 2017

A Matriz das Dores e seus vigários - Por Renato Casimiro

A história mais remota da vida religiosa de Juazeiro do Norte recorre cronologicamente ao instante marcante da pedra fundamental da primeira capelinha, em honra de Nossa Senhora das Dores, assentada no recuado 15 de setembro de 1827, encravada nas terras desse lado fértil do Cariri. Daí por diante, eclesiasticamente dependente da Freguesia de Nossa Senhora da Penha (Crato), e da Diocese de Olinda, sucederam-se alguns capelães, até que, já constituída uma nova Diocese, o primeiro Bispo do Ceará, D. Luiz, proclamou a provisão com a qual Cícero Romão Baptista, se tornaria em 11.04.1872 o seu sexto capelão. Amália Xavier, em seu relato sincero, registra que aquele foi um “apostolado fecundíssimo, com suas práticas religiosas e, sobretudo, com seu exemplo, conseguiu regenerar os habitantes, descendentes dos escravos do Pe. Pedro (Ribeiro), que após a sua morte se haviam entregues a toda a sorte de degenerescência, esquecidos dos ensinamentos recebidos.” O zelo exemplar de Pe. Cícero estendeu as bases para que aquela pequena capela, expandida em duas ocasiões, reformada em outras tantas, se constituísse no núcleo fundamental sobre o qual cresceria suas atenções sobre o fenômeno religioso e sobre todas as injunções que fizeram daqui o epicentro da religiosidade popular emanada da grande nação romeira e nordestina. Muito depois, 45 anos após, no dia 20 de janeiro de 1917 a Diocese de Crato criou a primeira Freguesia da Vila do Joaseiro, designando o seu primeiro vigário o Pe. Pedro Esmeraldo da Silva Gonçalves. Essa ficou conhecida como Paróquia-Matriz, ou Igreja-Matriz, uma longa primazia por outros longos 51 anos, até que fosse criada a segunda paróquia da cidade. Agora, depois de uma história memorável, através da qual abrigou todos os filhos desta heroica cidade, em congraçamento com a gente romeira dos sertões e elevada às dignidades de Santuário e de Basílica Menor, ela se prepara para celebrar o seu primeiro centenário, plena das graças da Igreja que está em Cristo e em cada um de nós. A celebração deste primeiro século de evangelização e de um intenso pastoreio se fará por uma ampla programação, para a qual estamos todos convidados a rememorar e a festejar tudo aquilo que se emanou da velha capelinha e que invadiu lares e oficinas, entre oração e trabalho, para ser entre nós o privilégio, na proximidade do Reino de Deus. Em toda a sua existência, a Paróquia-Matriz foi regida por dez vigários, na atualidade denominados de Párocos, enquanto vigários paroquiais são os coadjutores ou auxiliares. Revisei recentemente a relação desses vigários/párocos, para indicar abaixo os seus principais dados. Observe que dois deles (Monsenhores Pedro Esmeraldo da Silva Gonçalves e José Alves de Lima) foram vigários em dois períodos. 
PRIMEIRO VIGÁRIO: Pe. Pedro Esmeraldo da Silva Gonçalves; Nascimento: 29.01.1879 (Crato, CE); Ordenação: 30.11.1898 (Fortaleza, CE); Vicariato (I): De 21.01.1917 a 16.09.1921; Falecimento: 01.10.1934 (Juazeiro do Norte, CE); 
SEGUNDO VIGÁRIO: Pe. Dr. Manoel Correia de Macedo; Nascimento: 16.06.1894 (Barbalha, CE); Ordenação: 03.04.1920 (Roma, Itália); Vicariato: De 26.01.1923 a 06.01.1925; Falecimento: 06.07.1959 (Campinas, SP);
TERCEIRO VIGÁRIO: Pe. José Alves de Lima; Nascimento: 05.05.1889 (Crato, CE); Ordenação: 30.11.1912 (Fortaleza, CE); Vicariato (I): De 13.05.1927 a 06.06.1933; Falecimento: 30.08.1969 (Juazeiro do Norte, CE);
QUARTO VIGÁRIO: Mons. Pedro Esmeraldo da Silva Gonçalves; Nascimento: 29.01.1879 (Crato, CE); Ordenação: 30.11.1898 (Fortaleza, CE); Vicariato (II): De 17.04.1933 a 01.10.1934; Falecimento: 01.10.1934 (Juazeiro do Norte, CE);
QUINTO VIGÁRIO: Mons. Joviniano da Costa Barreto; Nascimento: 05.05.1889 (Tauá, CE); Ordenação: 21.12.1911 (Fortaleza, CE); Vicariato: De 26.03.1926 a 06.01.1950; Falecimento: 06.01.1950 (Juazeiro do Norte, CE);
SEXTO VIGÁRIO: Mons. José Alves de Lima; Nascimento: 05.05.1889 (Crato, CE); Ordenação: 30.11.1912 (Fortaleza, CE); Vicariato (II): De 07.01.1950 a 28.02.1967; Falecimento: 30.08.1969 (Juazeiro do Norte, CE);
SÉTIMO VIGÁRIO: Mons. Francisco Murilo de Sá Barreto; Nascimento: 30.10.1930 (Barbalha, CE); Ordenação: 15.12.1957 (Barbalha, CE); Vigário Cooperador: De 06.02.1958 a 28.02.1967; Vigário: De 28.02.1967 a 04.12.2005; Falecimento: 04.12.2005 (Fortaleza, CE);
OITAVO VIGÁRIO: Pe. Paulo Lemos Pereira; Nascimento: 25.09.1970 (Juazeiro do Norte, CE); Ordenação: 19.10.1999 (Crato, CE); Administrador Paroquial: De 06.02.2006 a 07.01.2011; 
NONO VIGÁRIO: Pe. Joaquim Cláudio de Freitas; Nascimento: 15.07.???? (Santana do Cariri, CE); Ordenação: 08.06.2007 (Crato, CE); Vigário Paroquial: De 01.01.2008 a 01.01.2011; Pároco: De 08.01.2011 a 30.07.2015; 
DÉCIMO VIGÁRIO: Pe. Cícero José da Silva; Nascimento: 15.01.1975 (Brejo Santo, CE); Ordenação: 04.08.2012 (Crato, CE); Vigário Paroquial: De 01.01.2011 a 31.07.2015; Pároco: desde 31.07.2015.


segunda-feira, 6 de abril de 2015

DR. FLORO BARTOLOMEU DA COSTA (Fernando Maia da Nóbrega)

I – A CHEGADA
Em princípio de maio de 1908 (01), dois homens montados a cavalos e puxando duas burras, carregadas com apetrechos, sob um sol escaldante, cruzaram as ruas empoeiradas de Juazeiro e pediram informações sobre onde morava o padre Cícero. Um chamava-se Floro Bartolomeu da Costa e o outro Adolfo Van den Brule. Diferentemente da maioria dos emigrantes em busca dos milagres ocorridos na cidade, os dois forasteiros vinham com o objetivo declarado de explorar as “minas de cobre do Coxá”, pertencentes ao sacerdote, localizadas na cidade de Aurora. O primeiro era um médico baiano e o segundo, um francês, engenheiro de minas, intitulado de Conde. Este fixou-se na cidade definitivamente, constituiu família e se tornou amigo íntimo do sacerdote. Já o doutor Floro, de simples ádvena, com o correr dos anos, transformou-se no comandante dos destinos políticos da cidade por quase duas décadas consecutivas.
Nascido em Salvador, Bahia, a 17 de agosto de 1876, sendo filho legítimo de Virgilio Bartolomeu da Costa e de dona Maria Josefina da Costa de Jesus Batista (02), recém-formado em medicina, clinicou em Patamuté, município de Capim Grosso e depois em Vila Ventura, distrito de Morro do Chapéu. Foi no primeiro povoado que conheceu o conde Adolfo Van den Brulle, do qual se tornou sócio na exploração do garimpo local. O êxodo da dupla para o sul cearense não foi única e exclusivamente o intuito de explorar as minas do Coxá, porquanto seria trocar o certo pelo duvidoso. Há indícios que o motivo tenha sido a fuga da justiça ou o medo da vingança, em razão de um assassinato praticado pelo doutor na cidade baiana. Há duas versões sobre o a motivação do delito praticado. Em uma, Floro Bartolomeu se defende, alegando legítima defesa ao ser agredido por um garimpeiro; noutra fala-se em crime passional, posto ter o médico se apaixonado pela primeira esposa do conde, dona Albertina e tendo, por essa razão, morto um Don Juan local que cortejava a condessa. (03)
O primeiro encontro entre o padre Cícero com os dois recém-chegados teve um caráter estritamente comercial no tocante à exploração das minas do Coxá, grande parte pertencente ao sacerdote. Embora exercendo a medicina, Floro era advogado provisionado e orientou ao reverendo sobre a necessidade da demarcação judicial com o intuito de assegurar legalmente a posse da terra. Coube aos visitantes essa incumbência. Nascia um forte vínculo de amizade entre o padre Cícero e doutor Floro que duraria quase vinte anos. Foi a união perfeita de duas pessoas que se completavam. Um era a luva; o outro, a mão.
II - FIXANDO-SE NA CIDADE.
O padre Cícero foi muito além de um simples anfitrião para o doutor Floro: foi o pai que recebe de braços abertos o filho pródigo. Deu-lhe casa, comida e emprego. Afagou-lhe o ego a tal ponto de mandar fazer calça e paletó de linho e presentear, de surpresa, ao médico que usava uma só vestimenta rota e velha.
Por seu lado, Floro que havia saído de sua terra natal no mínimo em situação embaraçosa, encontrou em Juazeiro a boa semente para seus sonhos. Em troca da receptividade, defendeu com unhas e dentes através do jornal o Rebate, as críticas deferidas pelo bispo interino D. Manuel Lopes, quando em visita ao Crato, dirigidas ao povo de Juazeiro.
Abraçou ao lado do padre Alencar Peixoto, José André de Figueiredo, major Joaquim Bezerra de Menezes, José Marrocos e outros a causa da independência administrativa do distrito em relação a Crato.
Sua residência tornou-se ponto de encontro de políticos e pessoas da alta sociedade juazeirense. Lá eram realizados saraus literários com leitura de poesias e músicas. Os serões varavam a madrugada onde a boa prosa e piadas divertiam os participantes.
Tratando as pessoas com delicadeza e atenção, logo despertou a confiança de todos, a ponto de tornar-se padrinho de “São João” de muitos garotos da cidade. É bom realçar que na cultura nordestina daquela época existiam dois tipos de batismo: na pia batismal e na “fogueira de São João”, ambos com relevante expressão social. Se cabia ao Padre Cícero ser o padrinho oficial com aspersão de água, era do doutor a preferência sobre a labareda de fogo. O compadrio era levado a sério criando forte vínculo entre as partes envolvidas. (04)
Tornou-se de imediato o médico particular do padre Cícero e abriu uma farmácia na rua São Pedro denominada “Ambulância de Dr.Floro”, local onde fazia pequenas cirurgias e receitava gratuitamente as pessoas desvalidas de recursos. (05) Pouco a pouco doutor Floro foi consolidando sua imagem de homem prestativo, caridoso, amigo incondicional do padre Cícero e defensor da cidade.
III - O POLÍTICO.
Dr. Floro (de cócoras) numa das trincheiras durante a Revolução de 1914
É evidente que o sonho de ser prefeito do novel município, quando veio a independência, havia povoado a mente do doutor Floro. Porém, como homem prático fez, de pronto, uma análise da conjuntura, esboçou o retrato dinâmico da realidade local e do período, e foi além das aparências,  deduzindo  haver pouquíssimas chances de ser o escolhido por simples razão: era um adventício! Faltavam-lhe tanto as raízes genealógicas na região, quanto a posse de propriedades, qualidades exigidas então pela cultura da época.
Arguto, sutil, engenhoso, Floro tinha plena consciência que era alter ego do padre Cícero e sendo conhecedor da inabilidade do venerando para situações práticas e técnicas do dia a dia, posto dedicar-se total e exclusivamente da parte pastoral, viu a oportunidade de tornar-se o senhor absoluto da política local usando o sacerdote! Sendo o braço direito do padre certamente conduziria o destino político da cidade em tendo-o  como prefeito! Para tanto, teria de eliminar os pretendentes ao cargo afastando algumas pessoas formadoras de opinião que circulavam em torno do reverendo. E foi assim que passou a agir.
Seu primeiro e grande empecilho foi José Marrocos, sem sombra de dúvida, o amigo mais íntimo do reverendo e nutridor de clara antipatia ao médico baiano, a ponto de chamá-lo de aventureiro. Padre Azarias Sobreira o define o seminarista da seguinte forma:
“(...) era um grandioso abolicionista cearense, jornalista experimentado, professor de profissão, teólogo da questão religiosa local e, além do mais, alvo de rasgada estima de Alencar Peixoto (...)” (06).
Após pequeno incômodo, decorrente talvez de uma pneumonia, Marrocos foi medicado pelo doutor Floro vindo a falecer em 14 de julho de 1910, gerando a suspeição de envenenamento perante o povo.
No campo político, dois adversários deviam ser removidos: padre Alencar Peixoto e José André de Figueiredo. Quanto ao primeiro, devido à virulência e gênio atribulado, logo se afastou do convívio do reverendo; ao segundo, Floro divulgava inverdade e estimulava intrigas com políticos adventícios.
Em 1911, como nome de consenso, padre Cícero tornou-se o primeiro prefeito da cidade, ficando com doutor Floro a presidência da Câmara de Vereadores.
A construção do raciocínio do doutor fora perfeita. Nomeado prefeito, padre Cícero entregou-lhe o destino da cidade! Floro de imediato fez modificações na localidade. Providenciou a coleta sistemática do lixo e pavimentou algumas ruas, embora cobrasse dos proprietários das casas certo valor por metro de calçamento e arbitrariamente destinava a si as receitas provenientes da arrecadação:
“(...) e pagando aos empreiteiros apenas a metade das mencionadas quantias.
A outra metade ele embolsava em pagamento de seu trabalho de administrador de tais obras. (“...)” (07).
De tal forma Floro apoderou-se da prefeitura que levou ao padre Cícero afirmar:
“Sôbre o governo do município eu nada sei: quem faz tudo é o Doutor Flóro”  (sic) (08)
Em 1913 comandou a revolução que depôs o governador do Estado, Franco Rabelo, ocasião em que foi eleito presidente da assembleia, reunida em Juazeiro, assumindo, logo após, o cargo de governador até março de 1914.
Na primeira eleição após a emancipação do município foi eleito deputado estadual para o biênio 1915\16. Reelegendo-se para os anos 1917\1920. Caracterizou-se como parlamentar combativo nos interesses de Juazeiro e temido por seus pares.
Também exerceu o cargo de deputado federal por dois mandatos; 1921\1924 e 1925\1926. Repeliu corajosamente a injúrias cometidas ao padre Cícero pelo deputado Paulo Morais e Barros.
Em 1925, o presidente da República Arthur Bernardes encarregou Floro Bartolomeu, na época deputado federal, de defender o Ceará dos ataques da C oluna Prestes. Tem-se, então, uma ideia do prestígio do doutor em escala nacional.
A fama de tirano, déspota, extrapolava as fronteiras do Juazeiro. Na Assembleia Legislativa do Ceará Floro Bartolomeu era denunciado por mortes acontecidas na cidade do padre Cícero. O deputado Godofredo Maciel defendendo o colega juazeirense assim se pronunciou:
“Só pode extinguir bandido, matando bandido!”
Martins Rodrigues, outro membro da Assembleia, retorquiu:
-“Nesse caso, o Floro deve suicidar-se.” (09).
IV –  COMPORTAMENTO MÓRBIDO
Quais os fatores que levaram o doutor Floro a  modificar tão bruscamente seu modo de ser e agir?  Do homem polido, tratável, festeiro e amigo, foi-se transformando, dia a dia, numa pessoa ríspida, bruta, insociável e perigosa!
Amália Xavier atribui essa mudança comportamental a dois fatores. O primeiro, decorrente de uma doença, a osteíte, causadora de sua irritabilidade a todo o momento.  Num segundo plano estaria o poder adquirido pela sua ascensão política, transformando-o num déspota.
O historiador Irineu Pinheiro, seu amigo particular, mostra essa modificação na personalidade do Floro:
“[...] “mas com o tempo com as lutas que teve de sustentar, se lhe  foram aos poucos acidulando o caráter até atingir-lhe o estado da alma  as raias de extrema irascibilidade, de nítida morbidez”(10)
Mas não devemos deixar de lado a propensão do médico às crises de explosões de temperamento desde sua saída da Bahia onde cometeu um crime independente do motivo que o levou a ceifar a vida de um homem. Esse fato, em si, já denotava o espírito bélico existente desde cedo. Se conseguiu ocultar seu mórbido temperamento sob a pele de cordeiro, quando aqui chegou, é porque se fazia necessário numa terra estranha. Como bem frisou padre Azarias Sobreira:
“Para ele pesavam, mais do que tudo as vantagens políticas imediatas” (11),
Enfoquemos essa transformação psicológica do doutor Floro nos seguintes campos:
a) O Criador e a Criatura
O próprio padre Cícero foi vítima dos impulsos coléricos do médico baiano. Certo momento, durante a revolução de 1914, Floro insistia em fazer saques nas cidades vizinhas para poder sustentar a tropa. Padre Cícero ao discordar foi acintosamente confrontado:
“Ou faz assim, ou vou-me embora, deixando Você nesse cipoal” (sic) 12.
Noutra ocasião ao ser contrariado pelo padre Cícero quanto à prisão injustificada de pessoas por serem apenas amigas do seu adversário político Zé Geraldo, Floro respondeu-lhe aos gritos:
--(...) “Você é um Padre Velho besta”! Quem entende de política sou eu! Trate de seus romeiros bestas e não me azucrine a paciência, que padre para mim é m. (13).
O domínio do doutor sobre o Patriarca foi cada vez mais absoluto e crescente. Chegou a transferir coercitivamente o padre Cícero para um pequeno quarto ao lado da cadeia municipal, alegando que a residência do reverendo era insalubre. E, por duas vezes em público, proibiu o padre Cícero de realizar suas vontades.
Certa feita, cansado do seu cativeiro, quis visitar uma pessoa amiga. Quando pôs o pé no estribo do carro ouviu os gritos do Floro que se aproximava:
-“Volte padre; não vai não!” (14).
Doutra feita, quis visitar a Serra do Horto. O farmacêutico Zé Geraldo da Cruz providenciou um transporte para levar o sacerdote e quando padre Cícero entrou no carro, o médico simplesmente o puxou pelo braço e ordenou:
-“Não vai!” (15)
O padre Cícero já não possuía vontade própria fora de sua área religiosa; Floro era o mandachuva local.
b) O Coronel
Senhor absoluto do baraço e do cutelo doutor Floro tornou-se o Luiz XIV regional e se apoderou da frase "L'État c'est moi!” Desrespeitava a todos e a tudo se sentindo a cima da moral e da lei. O povo lhe dera a delegação de representá-lo como deputado, porém, ele estendeu esse poder agregando o de delegado, promotor, juiz e déspota supremo da cidade. Sem a devida competência legal, o deputado tomou as seguintes providências em alguns casos mais notórios:
I – Tendo o padre Cícero recebido um touro da raça zebu, presente de Delmiro Gouveia, entregou o animal aos cuidados do beato Zé Lourenço, morador do sítio Baixa da Anta. Diferente do gado mestiço existente na região e principalmente por pertencer ao padre Cícero, o touro foi tratado com carinho especial. Além de capim novo, era banhado com frequência e ornamentado com laços e fitas. Não custou muito para que o povo acreditasse que o “Boi Mansinho” operasse milagres através de sua urina e fezes. 
Criticado pela imprensa, Floro prendeu o beato Zé Lourenço e alguns seguidores, mandou executar o animal, distribuiu a carne à população e no almoço destinado aos presos havia bife extraído do boi.
II - Os penitentes, conhecidos como Corte Celestial, era um grupo constituído por pessoas que acreditavam ser a reencarnação de santos católicos e perambulava pelas ruas cantando ladainha e entoando cânticos religiosos.  Sob a suspeita de haver agredido um homem, Floro mandou prender todos e deportou alguns membros do grupo. 
III – Ele reuniu em Juazeiro os mais famosos cangaceiros de Pajeú de Flores e Riacho do Navio, Pernambuco, formando um verdadeiro exército para a deposição do governador do Estado major Franco Rabelo. Percorreu do sul do Ceará até Fortaleza, espoliando e matando adversários na chamada “Revolução de Juazeiro”.
IV – Comandou o “Batalhão Patriótico” onde arregimentou 1.200 cangaceiros e combatentes para enfrentar a Coluna Prestes.
V- Em 1925, mandou executar sumariamente ladrões e malfeitores. Eram indefesos ladrões de galinha retirados da cadeia à noite e executados na rodagem ligando Juazeiro a Crato, chegando a número superior a 70!
“(...) Foi ordenado o fuzilamento de dezenas de homens nem sempre os acusados de crime de morte ou roubos e isto trouxe revolta ao povo que se escandalizou com as barbaridades cometidas(...)” (16).
VI - Ao denunciar as barbaridades praticadas por doutor Floro, o hebdomadário ”O Ideal”, pertencente a José Geraldo da Cruz, foi empastelado e seu editor teve que se mudar para Crato sob pena de ser assassinado!  
c) Casos Famosos
Uma faceta que deve ser desmitificada do doutor Floro é a pecha de valente. Seria mesmo Floro um homem de coragem comprovada, intimorato, ou simplesmente uma pessoa poderosa capaz de se fazer temido pelo poder absoluto que detinha e pelas maldades praticadas?  
Ao analisarmos miudamente algumas atitudes do doutor, veremos que muitas vezes se esquiva das situações difíceis, adoece nos momentos de luta e noutras se acovarda. Deduzindo-se, então, que Floro era frio analista e passava ao arrepio do perigo iminente e evitava confrontos que não lhe eram propícios. Eis alguns casos:
I - Quanto à imputação sobre os “Crimes da Rodagem” defendia-se dizendo que apenas deixava a polícia agir...
II – Ao comandar o “Batalhão Patriótico” que enfrentou a “Coluna Prestes” ao passar por Campos Sales, Floro adoeceu. Geraldo Menezes Barbosa assim comenta:
“(...) os 2 mil homens do Batalhão Patriótico deslocavam-se à cidade de Campos Sales sob o comando do Dr. Floro. Durante a viagem o valente líder sentiu-se doente e logo agravado na sua enfermidade, sendo obrigado a voltar a Juazeiro, porém comandando seu Batalhão à distância. (...)” (17). (sic)
III – Durante a “Revolução de Juazeiro”, ao invadir Barbalha, Floro determinou que não houvesse nenhuma algazarra em virtude do prefeito ser amigo do padre Cícero. Ficando os revoltosos embaixo de uma frondosa tamarineira, Floro com dois auxiliares se dirigiu à prefeitura. Ao confabular com o chefe da municipalidade, Floro ouviu tiros provenientes do local onde ficaram os revoltosos. Inconformado com a desobediências da ordem anteriormente dada, dirigiu-se ao local, apeou-se do cavalo, colérico, com uma chibata em punho gritou: 
“_ Quem foi quem deu o primeiro tiro?”
Após estupefação geral, um silencio sepulcral, morno, tenso, tomava conta do grupo.
Repetiu Floro:
-“Quem foi o cabra sem-vergonha que deu o primeiro tiro?”.
Após alguns instantes de tensão, um vulto assomou à frente do chefe e disse sereno: 
-“Seu doutor não foi um cabra sem-vergonha que deu o primeiro tiro. Quem deu o primeiro tiro foi um de bem. Fui eu!” (18).
Era a voz firme de Canuto Reis.
Inconformado com a desobediência, Floro dirige-se a Canuto Reis com o objetivo de lhe tomar o rifle de suas mãos. O revoltoso dá um passo atrás e diz com firmeza:
_ “Seu doutor, se vosmicê passar o pé daí prá diante, por Deus que nos ouve, a tora de cima cai primeiro que a debaixo” (19) (sic).
Acovardado ou aconselhado por amigos, Floro deu meia volta e foi embora.
III - Outro fato que demonstra a tibiez do médico diante de pessoas determinadas e intimoratas aconteceu durante a invasão da “Coluna Prestes” que acampara no sítio “Izidoro” por mais de uma semana e se dirigia ao baixo Jaguaribe. Doutor Floro, mais uma vez doente, deitado numa rede no vagão de trem, em rumo a Fortaleza, soube que uma composição ferroviária, com a Força Policial do Piauí, sob o comando do capitão do exército Gaioso e Almendra, chegara a Iguatu. Mandou chamar o militar e aos gritos indagou:
- “Então os revoltosos vão para o Jaguaribe e o senhor vai com sua tropa em direção de Lavras?”
Gaioso perfilado, calmo retrucou:
- “A linha não tem desvio para Jaguaribe. E V.Excia. que vai para Fortaleza? (20).”
c) Suspeição em alguns crimes.
O grande orador e cônsul romano Cícero teve a coragem de acusar Catilina de conspirador do estado romano ao pronunciar a frase: “O Senado tem conhecimento destes fatos, o cônsul tem-nos diante dos olhos; todavia, este homem continua vivo”! 
Em Juazeiro todos eram sabedores das barbaridades e dos hediondos crimes praticados por doutor Floro Bartolomeu, mas silenciavam sobre os fatos por uma única razão: o medo! Padre Azarias Sobreira bem descreve esse receio:
“(...) Floro Bartolomeu não era somente pouco ou nada convidativo, mas também perigoso” (21).
Somente o padre Manuel Macedo Filho não se calou e intimorato como Cícero, o senador romano, teve a firmeza e a intrepidez cívica de denunciar essas atrocidades através de acirrada campanha!
Alguns escritores juazeirenses utilizaram de certos artifícios literários para denunciar, de forma indireta, os crimes cometidos pelo doutor Floro. Ora se debruçavam sobre a técnica do subtendido onde expõem os fatos evitando se comprometer, ou como no caso de Xavier de Oliveira que usando de pressupostos expõe suas ideias de maneira não explícita, mas que nos leva à conclusão que Floro teve participação direta em vários crimes.
Muito embora doutor Floro jamais tenha deixado provas de sua participação em alguns homicídios, usando constantemente o álibi de nunca estar no local e data do crime, mas é do saber geral que um delito dessa magnitude partia de uma pessoa de alto cargo e que tinha autorizado a execução.
Vejamos algumas mortes  
1- José Marrocos
No tocante a morte repentina e inexplicável de José Marrocos comentava-se à boca miúda ter sido Floro Bartolomeu o autor, posto que, logo após medicar o professor que tivera um pequeno incômodo, este veio a óbito suspeitando-se de envenenamento. Mais uma vez o médico usara seu álibi preferido: ausentara-se de Juazeiro, indo para sua fazenda em Missão Velha, só voltando para o sepultamento no dia seguinte.  
2 - Paulo Maia
Assassinado no dia 09 de julho de 1914, a mando de Nazário Landim, delegado local, e tendo como executor o pistoleiro Mané Chiquinha.
Teve doutor Floro participação nesse homicídio? As evidências confirmam os fatos. Havia razões pessoais e políticas para que Floro tivesse consentido e aprovado a execução. No dia do crime, Floro encontrava-se em Fortaleza. Vejamos:
a) Paulo Maia era filho do ex-deputado Aristides Ferreira de Menezes, amigo e correligionário de José Belém de Figueiredo, deposto do cargo de prefeito do Crato a “manu militari” por Antonio Luiz Alves Pequeno III, uma das pilastras do doutor Floro na “Revolução de Juazeiro”;
b) Paulo Maia, embora parente do padre Cícero, sempre acompanhou politicamente seu cunhado  José André de Figueiredo  inimigo figadal de doutor Floro;
c) Nazário Landim, autor intelectual do homicídio, fora nomeado delegado de Juazeiro por Floro Bartolomeu;
d) Mané Chiquinha, o executor, fora trazido de Pajeú das Flores, Pernambuco, e era um dos cangaceiros preferidos do médico.
O deputado e escritor Xavier de Oliveira no seu livro “Beatos e Cangaceiros” acusa Floro da participação da morte de Paulo Maia através de ideias não explícitas, mas percebíveis através de pressupostos quando afirma sobre esse crime:
“(...) No sertão os cangaceiros só cometem um crime quando teem as costas quentes. (...) Fulano me dá cem mil réis p’réu dá um carreira... em sicrano, que vosmecê acha? “Ganhe seu dinheiro, responde um chefe (...) um coronel ou doutor, nunca um padre” (15) (sic).
Xavier de Oliveira acusa diretamente Floro, inocentando a participação do padre Cícero.

V – A MORTE
Floro Bartolomeu da Costa foi o deputado federal nordestino mais prestigiado da “Velha República.” O presidente Arthur Bernardes em reconhecimento aos feitos do deputado ao depor o governador Franco Rabelo, encarregou-lhe a missão de combater a “Coluna Prestes” em nossa região.
Com correr dos anos, sua saúde abalada pela osteíte causadora de terríveis dores de cabeça, doutor Floro, solteiro e pobre, falece no Rio de Janeiro em 08 de março de 1926, acometido de uma “angina pectoris”.
Em virtude dos relevantes serviços prestados ao Brasil, Floro foi sepultado, no Rio de Janeiro, com as honras de “General Honorário do Exército Brasileiro”.

N o t a s 
1- OLIVEIRA, Amália Xavier de. O padre Cícero que eu conheci. Rio de Janeiro 1969 p. 217. Acesso em março 2015. Depoimento de Carlos Navarro
2- OLIVEIRA, Amália Xavier de. O padre Cícero que eu conheci. Rio de Janeiro 1969 p. 217.
3- http://www.fotosmcba.com.br/pagina.php?id=180 Acesso em março 2015. Depoimento de Carlos Navarro
4- OLIVEIRA, Amália Xavier op.cit. p.218.
5- op.cit.
6- SOBREIRA, Azarias padre. O patriarca de Juazeiro.Ed vozes Fortaleza 1968 p.73
7- DINIZ, M. Mistérios do joazeiro. Tip. do “O Joazeiro”.Joazeiro-Ce,1935
P.68
8- OLIVEIRA Amália Xavier op.cit p.220
9 MACEDO joaryvar. Império do bacamarte. Universidade federal do ceará.Fortaleza 1990 p.212 s apud MACEDO,Nertan. Floro Bartolomeu o Caudilho dos Beatos e Cangaceiros. Rio de Janeiro.Ag.Jorn.Image,1970, p.164
10- PINHEIRO, Irineu. O Joaseiro do Padre Cícero e a Revolução de 1914.2ª Ed.Ed.IMEPH.Fortaleza 2011 1 p.24
11- SOBREIRA, Padre Azarias oc. P 76.
12- Ibidem p227
13- DINIZ, M oc. p 70. Muito embora Manuel Diniz, talvez para não ferir a imagem do padre Cícero, afirme que essas palavras foram direcionadas ao padre Macedo, discordo, posto ter sido ditas aos gritos e diretamente ao padre Cícero.
14- FILHO,B.Lourenço. Obras Completas de Lourenço Filho volume I 3ª Edição Juazeiro do Padre Cícero. Edições Melhoramento p 80. Apud P.Manuel Macedo,Juazeiro em Foco,Fortaleza 1925 p 9.
15- Id. IBID 
16 - OLIVEIRA Amália Xavier op.cit p224
17- BARBOSA, Geraldo Menezes. História do Padre Cícero ao Alcance de Todos. Ed ICVC.Juazeiro do Norte 1992. P.69
18- OLIVEIRA, Antonio Xavier. Beatos e Cangaceiros. Rio de Janeiro 1920 p.
19- Id. ibidem
20- GUIMARÃES, Hugo Victor. Deputados Provinciais e Estaduais do Ceará. Assembléias Legislativos de 1835 a 1947 Ed.jurídica Ltda. apud http://ufdc.ufl.edu/AA00000242/00001/245.Março 2015
21- SOBREIRA, Padre Azarias op.cit p.74.
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, Geraldo Menezes. História do Padre Cícero ao alcance de todos. Juazeiro do Norte Ed ICVC1992
CAVA Ralph Della Milagre em Joaseiro, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976
FILHO,M.B.Lourenço. Juazeiro do Padre Cícero. Ed.Melhoramento3ª Ed. São Paulo 
GUIMARÃES, Hugo Victor. Deputados Provinciais e Estaduais do Ceará- Assembleias Legislativas 1835 -1947 Ed. Jurídica Ltda. Fortaleza. Site: http://ufdc.ufl.edu/AA00000242/00001/5j
MENEZES, Fátima. Homens e Fatos na história do Juazeiro. recife,Ed Universitária da UFPE
1989
MACEDO, Joaryvar. Império do Bacamarte. Fortaleza. Universidade Federal do Ceará 1990
MONTENEGRO, Abelardo F. Fanáticos e Cangaceiros. Fortaleza.Ed.Henriqueta Galeno.Fortaleza 1973
OLIVEIRA, Amália Xavier. O Padre Cícero que Eu conheci (Verdadeira história de Juazeiro) Rio de Janeiro 1969
OLIVEIRA, Antonio Xavier. Beatos e Cangaceiros. Rio de Janeiro 1920
 OTACILIO,Anselmo. Padre Cícero - Mito e Realidade. Ed. Civilização Brasileira S.A. Rio de Janeiro 1968.
PINHEIRO,Irineu. O Joaseiro do Padre Cícero e a revolução de 1914.Editora IMEPH Fortaleza 2001
ROCHA, Antonio José Dourado. Blog “Morro do Chapéu” http://www.adourado.com.br/pagina.php?id=180
SOBREIRA, Padre azarias. O Patriarca de Juazeiro. Ed. Vozes LTDA. 2ª Ed. Fortaleza 1968