sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A COMARCA DE JUAZEIRO E A POSSE DO JUIZ JOVÊNCIO SANTANA – Por Fausto da Costa Guimarães

Dr. Jovêncio

Quando em 11 de novembro de 1912 pelo simples pedido do Pe. Cícero ao Dr. Justiniano de Serpa, Presidente do Ceará,  este mandou que a Assembleia restaurasse a Comarca do Juazeiro e assim sucedeu, justamente no dia 11 de novembro de 1922. Nomeado logo após o Dr. Jovêncio Joaquim de Santana para Juiz de Direito, tendo lugar a inauguração da Comarca e posse do primeiro magistrado da Comarca no dia 24 de fevereiro de 1923, no dia de sábado, a uma hora da tarde, tendo no solene ato comparecido a Câmara no lugar de costume, Rua São Pedro, o seu prefeito municipal Pe. Cícero Romão Batista que empossou o referido Juiz de Direito. Presente toda Câmara e mais todas as autoridades estaduais e federais e o Cel. Ernesto Medeiros, comandante do Corpo de Polícia no Crato, representando o Governador do Estado; Cel. Pedro Silvino de Alencar - Prefeito de Araripe; Deputado Estadual Dr. Sebastião Azevedo, de Fortaleza; Vigário da Freguesia, Pe. Manoel Correia de Macedo e grande cortejo da massa popular, inclusive famílias e comerciantes. Declarou o Dr. Juiz de Direito, em palavras repassadas de civismo e patriotismo que estava inaugurada a Comarca e ele, Juiz, empossado. Tomou a palavra o Revmo. Pe. Cícero, pronunciando um discurso substancioso abrangendo todos os pormenores do ato presente em frases variadas e muito significativas e bem elaboradas. O eminentíssimo chefe e prefeito Padre Cícero Romão Batista que a todos emocionou, não esquecendo de falar do civismo másculo do ex-Presidente Dr. Epitácio Pessoa e, como do atual presidente da República Dr. Artur Bernardes, não esquecendo de falar no amigo ausente Dr. Floro que o enalteceu, sendo saudado por uma grande salva de palmas. Tocando na ocasião a banda de música Padre Cícero brilhante dobrado e uma grande girândola de foguetes estourou no espaço, estando o edifício da Comarca bem ornado com o devido estilo, bandeira içada, sendo nesta ocasião inaugurados os retratos do Dr. Epitácio Pessoa, Dr. Artur Bernardes - Presidente da República, Dr. Floro Bartolomeu da Costa - Deputado Federal, ausente, nos trabalhos do Congresso Federal. Usando da palavra o orador oficial, jornalista Dr. Leopoldino Costa Andrade, jornalista da Folha no Rio de Janeiro, que muito de boa vontade cooperou para o brilhantismo da festa em todos os seus detalhes, pronunciando discurso escrito, bem elaborado a respeito do solene ato, trazendo a baila o nome do Dr. Epitácio Pessoa, que muito enalteceu suas qualidades de estadista emérito e criterioso, como do Dr. Artur Bernardes, sincero e competente para o cargo que ocupa de Chefe da Nação, atualmente, e como do Prefeito Municipal Pe. Cícero o que de melhor pode dizer, como do povo e progresso da terra, lembrando-se também do amigo ausente Dr. Floro Bartolomeu que em lisonjeiras palavras, bem o disse. E assim, depois de dissertar o seu magistral discurso findou suas últimas palavras debaixo de uma grande salva de palmas. Aí assomou a tribuna o vigário Macedo que dissertou um belo discurso que muito agradou com suas bem elaboradas frases de sacerdote virtuoso e inteligente ao grande auditório que muito o aplaudiu, e assim por diante outros usaram da palavra com brilhantismo compreendendo bem o dever de oradores que falavam no momento, muitas palmas e vivas ecoavam no grande salão do cerimonial. Conservando-se o dia restante em festa seguida pela noite em casa do Dr. Floro Bartolomeu onde o distinto Juiz Dr. Jovêncio Joaquim de Santana se achava hospedado e mais amigos, e presente o Revmo. Pe. Cícero que a todos confortava com a sua presença de justo. Ali postada a banda de música em suas harmoniosas tocatas bem significava o Juazeiro em festa, do maior regozijo de um povo livre e independente. Teve lugar em casa do mesmo Dr. Floro um lauto jantar às 5 horas da tarde do que todos os circunstantes serviram-se, oferecido pelo Revmo. Pe. Cícero Romão Batista. Foram oferecidos exemplares do livro "Sertão a Dentro" pelo autor Dr. Leopoldino Costa Andrade, do Rio de Janeiro. Obra de algum valor para o Juazeiro defendendo o Revmo. Pe. Cícero das acusações injustas que os inimigos gratuitos faziam com o mais descaro, nas conversações pelos jornais do Rio de Janeiro. Foi desfeita essa maledicência caluniosa com o "Sertão a Dentro". Parabéns ao Sr. Costa Andrade, jornalista da "Folha" no Rio de Janeiro, jornalista inteligente. Ainda o cerimonial da posse do Juiz de Direito: tirada uma comissão de pessoas da primeira classe, acompanhada da banda de música, saímos da casa da Câmara, fomos ver em casa do Dr. Floro Bartolomeu da Costa o Dr. Juiz de Direito e o Revmo. Pe. Cícero Romão Batista, Prefeito Municipal distinto Dr. Jovêncio de Santana, o Juiz, o primeiro magistrado da Comarca, então acompanhadas as duas autoridades por grande número de amigos e admiradores e a banda de música Pe. Cícero, chegamos ao salão da Câmara, com as honras de estilo foram recebidos Juiz e Prefeito pelo corpo municipal, autoridades locais e muitos cavalheiros e senhoritas, sendo recebidos por grande salva de palmas, sendo oferecida a cadeira de honra ao Revmo. Pe. Cícero, o que recusou-se a princípio, porém, depois aceitou, continuando a leitura da ata da inauguração da Comarca e posse do íntegro Dr. Juiz de Direito, tudo com as formalidades do estilo. Depois lida em altas vozes, foi assinada pelas autoridades competentes que ali se achavam. Depois do ato solene foi servido todo auditório por uma cerveja regularmente distribuída.
Eis, em resumo, todo conteúdo da inauguração da Comarca e posse do Juiz de Direito, no dia 24 de fevereiro de 1923. Na inauguração da Comarca, na fala que fez a respeito do ato, o Revmo. Pe. Cícero Romão Batista falando sobre o Juazeiro disse com segurança que o Juazeiro continha 56 ruas, com 30 mil habitantes, contendo em todo município 50 mil almas, e assim concluiu seu belo discurso deixando em todo auditório a mais grata impressão.
(Extraído do livro Memórias de um romeiro, Fausto da Costa Guimarães)

BIOGRAFIA DE DR. JUVÊNCIO

Juvêncio Joaquim de Santana -Bacharel em Direito, Juiz de Direito e Desembargador. Filho do Coronel Antônio Joaquim de Santana (chefe político do município de Missão Velha) e Josefa Maria de Jesus, nasceu no dia 19 de janeiro de 1888, no Sítio Serra dos Matos, município de Missão Velha, Ceará. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais em 17 de dezembro de 1912, pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Nomeado aos 13 de janeiro de 1923, Juiz de Direito da Comarca de Juazeiro, da qual afastou-se do cargo, para assumir a Secretaria do Interior e Justiça, no Governo do Dr. José Moreira da Rocha. Juvêncio Santana na década de 20 foi professor do Colégio 24 de Abril, de Jardim, Ceará, fundado pelo Dr. Francisco de Lima Botelho, em 1916, tendo funcionado por sete anos. Lecionou Geografia, História e História Natural. Juvêncio Santana casou-se com a jardinense Beatriz Barreto Gondim, filha do casal José Caminha de Anchieta Gondim (de alcunha Coronel Daudeth) e de Maria Barreto Gondim. A cerimônia aconteceu no dia 27 de janeiro de 1916, em Jardim. Não tiveram filhos. Adotaram como filhos, Ancilon Aires de Alencar (Promotor de Justiça, radicado em São Paulo, Capital) e Terezinha Gondim Medeiros, ambos sobrinhos da D. Beatriz. Dr. Juvêncio era amigo incondicional e afilhado de crisma do Padre Cícero. Foi eleito Deputado Estadual em 1928. Por vários anos despendeu esforços pela prosperidade de Juazeiro e pelo benefício de seus habitantes; muito respeitado e estimado por todos, desempenhou sua missão com integridade de caráter. A 1.° de agosto de 1940, o Dr. Juvêncio foi mais uma vez nomeado Juiz de Direito de Juazeiro do Norte, permanecendo no cargo, até o dia 08 de setembro de 1957, quando veio a falecer, em Juazeiro do Norte, e encontra-se sepultado no túmulo da Beata Mocinha, no cemitério do Perpétuo Socorro, da referida cidade. Terminou sua brilhante carreira de Magistrado, ocupando o elevado cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará. Foi o Desembargador Juvêncio Joaquim de Santana, um dos juízes mais cultos do Estado do Ceará. Homem de envergadura moral ilibada, político de bastante prestígio, autoritário, porém de fino trato, enfim, uma das figuras mais importantes da história de Juazeiro do Norte. (Extraído do livro Dados biográficos dos homenageados em logradouros públicos de Juazeiro do Norte, de Raimundo Araújo e Mário Bem Filho)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Centenário da assinatura do Pacto dos Coronéis



Centenário do Pacto dos Coronéis
Daniel Walker

No dia 4 de outubro de 1911, portanto há cem anos, o recém-criado município de Juazeiro foi sede de dois grandes eventos políticos: a posse de Padre Cícero Romão Batista no cargo de Prefeito  (ou Intendente como se chamava na época) e a realização de uma assembleia ou sessão política para assinatura de um controvertido documento que passou à história com o nome de Pacto dos coronéis. O referido documento também foi chamado de Pacto de paz, Pacto de harmonia política, Aliança política, Conferência política, Pacto de Haya-mirim e ainda Artigos de fé política, denominação esta creditada ao Padre Cícero.
Abaixo é feita a transcrição da histórica ata do evento que culminou com a assinatura dos chefes políticos do Cariri  e em seguida emitimos alguns comentários pertinentes ao assunto que é um dos mais polêmicos e importantes da história de Juazeiro e do Ceará.

PACTO DOS CORONÉIS
Aos quatro dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e onze, nesta vila de Juazeiro do Padre Cícero, município do mesmo nome, Estado do Ceará, no paço da Câmara Municipal, compareceram à uma hora da tarde os seguintes chefes políticos: coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe do município de Missão Velha; coronel Antônio Luís Alves Pequeno, chefe do município do Crato; reverendo Padre Cícero Romão Batista, chefe do município do Juazeiro; coronel Pedro Silvino de Alencar, chefe do município de Araripe; coronel Romão Pereira Filgueiras Sampaio, chefe do município de Jardim; coronel Roque Pereira de Alencar, chefe do município de Santana do Cariri; coronel Antônio Mendes Bezerra, chefe do município de Assaré; coronel Antônio Correia Lima, chefe do município de Várzea Alegre; coronel Raimundo Bento de Sousa Baleco, chefe do município de Campos Sales; reverendo padre Augusto Barbosa de Menezes, chefe do município de S. Pedro do Cariri; coronel Cândido Ribeiro Campos, chefe do município de Aurora; coronel Domingos Leite Furtado, chefe do município de Milagres, representado pelos ilustres cidadãos, coronel Manuel Furtado de Figueiredo e major José Inácio de Sousa; coronel Raimundo Cardoso dos Santos, chefe do município de Porteiras, representado pelo reverendo Padre Cícero Romão Batista; coronel Gustavo Augusto de Lima, chefe do município de Lavras da Mangabeira, representado por seu filho João Augusto de Lima; coronel João Raimundo de Macedo, chefe do município de Barbalha, representado por seu filho major José Raimundo de Macedo e pelo juiz de direito daquela comarca, doutor Arnulfo Lins e Silva; coronel Joaquim Fernandes de Oliveira, chefe do município de Quixará, representado pelo ilustre cidadão major José Alves Pimentel; e o coronel  Inácio de Lucena, chefe do município de Brejo Santo, representado pelo coronel Antônio Joaquim de Santana. A convite deste que, assumindo a presidência da magna sessão, logo deixou, ocupando-a o reverendo Padre Cícero Romão Batista para em seu nome declarar o motivo que aqui os reunia. Ocupada a presidência pelo reverendo Padre Cícero, fora chamado o major Pedro da Costa Nogueira, tabelião e escrivão da cidade de Milagres, que também se achava presente. Declarou o presidente que aceitando a honrosa incumbência confiada pelo seu prezado e prestigioso amigo coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe de Missão Velha e traduzindo os sentimentos altamente patrióticos do egrégio chefe político, Excelentíssimo Senhor Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly, que sentia dalma as discórdias existentes entre alguns chefes políticos desta zona, propunha que, para desaparecer por completo esta hostilidade pessoal, se estabelecesse definitivamente uma solidariedade política entre todos, a bem da organização do partido os adversários se reconciliassem, e ao mesmo tempo lavrassem todos um pacto de harmonia política. Disse mais que para que ficasse gravado este grande feito na consciência de todos e de cada um de per si, apresentava e submetia à discussão e aprovação subseqüente os seguintes artigos de fé política:
Art. 1º - Nenhum chefe político protegerá criminoso do seu município nem dará apoio nem guarida aos dos municípios vizinhos, devendo ao contrário, ajudar a captura destes, de acordo com a moral e o direito.
Art. 2º - Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual for a hipótese.
Art. 3º - Havendo em qualquer dos municípios reações, ou mesmo, tentativas contra o chefe oficialmente reconhecido com o fim de depô-lo, ou de desprestigiá-lo, nenhum dos chefes dos outros municípios intervirá nem consentirá que os seus municípios intervenham ajudando direta ou indiretamente os autores da reação.
Art. 4º - Em casos tais só poderá intervir por ordem do governo para manter o chefe e nunca para depor.
Art. 5º - Toda e qualquer contrariedade ou desinteligência entre os chefes presentes será resolvida amigavelmente por um acordo, mas nunca por um acordo de tal ordem, cujo resultado seja deposição, a perda de autoridade ou de autonomia de um deles.
Art. 6º - E nessa hipótese, quando não puderem resolver pelo fato de igualdade de votos de duas opiniões, ouvir-se-á o governo, cuja ordem e decisão será respeitada e restritamente obedecida.
Art. 7º - Cada chefe, a bem da ordem e da moral política, terminará por completo a proteção a cangaceiros, não podendo protegê-los e nem consentir que os seus munícipes, seja sob que pretexto for, os protejam dando-lhes guarida e apoio.
Art. 8º - Manterão todos os chefes políticos aqui presentes inquebrantável solidariedade não só pessoal  como política, de modo que haja harmonia de vistas entre todos, sendo em qualquer emergência “um por todos e todos por um”, salvo em caso de desvio da disciplina partidária, quando algum dos chefes entenda de colocar-se contra a opinião do chefe do partido, o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly: Nessa última hipótese cumpre ouvirem e cumprirem as ordens do governo e secundarem-no nos seus esforços para manter intacta a disciplina partidária.
Art. 9º - Manterão todos os chefes incondicional solidariedade com o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Accioly, nosso honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecerão incondicionalmente suas ordens e determinações.
Submetidos a votos, foram todos os referidos artigos aprovados, propondo unanimemente todos que ficassem logo em vigor desde essa ocasião.
Depois de aprovados, o Padre Cícero levantando-se declarou que sendo de alto alcance o pacto estabelecido, propunha que fosse lavrado no Livro de Atas desta municipalidade todo o ocorrido, para por todos os chefes ser assinado, e que se extraísse uma cópia da referida ata para ser registrada nos Livros das municipalidades vizinhas, bem como para ser remetida ao doutor presidente do Estado, que deverá ficar ciente de todas as resoluções tomadas, o que foi feito por aprovação de todos e por todos assinado.
Eu, Pedro da Costa Nogueira, secretário, a escrevi.
Assinam:
Padre Cícero Romão Batista
Antônio Luís Alves Pequeno
Antônio Joaquim de Santana
Pedro Silvino de Alencar 
Romão Pereira Filgueiras Sampaio
Roque Pereira de Alencar
Antônio Mendes Bezerra
Antônio Correia Lima
Raimundo Bento de Sousa Baleco
Padre Augusto Barbosa de Menezes
Cândido Ribeiro Campos
Manoel Furtado de Figueiredo
José Inácio de Sousa
João Augusto de Lima
Arnulfo Lins e Silva
José Raimundo de Macedo
José Alves Pimentel


Comentários
- “O receio era o de que a reunião acabasse em tiro. Nunca se viram – nem jamais se voltaria a ver – tantos coronéis sertanejos assim reunidos em um mesmo lugar, como naquele 4 de outubro de 1911, em Juazeiro, o dia da posse do Padre Cícero na prefeitura. Lá fora, as ruas estavam enfeitadas de bandeirinhas de papel e a banda do mestre Pelúsio de Macedo fazia a festa. No interior da casa que sediou a solenidade oficial, os dezesseis homens vestidos em roupa de domingo foram recebidos com chuvas de flores e papel picado. Mas não escondiam de ninguém, que ruminavam uma coleção de rancores mútuos. Praticamente todos os chefes políticos do Cariri – incluindo o coronel Antônio Luís – haviam acatado o chamado do sacerdote para tão insólito conclave que marcaria seu primeiro dia como prefeito. Quando Padre Cícero levantou da mesa ao final daquela histórica reunião e passou a colher a assinatura de todos, os coronéis do Cariri já  tinham tomado consciência de que, diante da nova situação, precisavam eleger um chefe imediato entre eles. Esse chefe não seria, necessariamente, Accioly. Carecia ser alguém que estivesse mais perto deles e que, a despeito das diferenças e dos ódios pessoais que os separavam, fosse um homem cuja palavra seria acatada sem ressalvas. Os coronéis precisavam de um líder político no Cariri. Naquela tarde, esse líder se revelara naturalmente – e já tinha um nome. O nome dele, ninguém se atreveria a discordar, era Padre Cícero”. Assim, Lira Neto descreveu em seu livro Padre Cícero, poder, fé e guerra no sertão a reunião em que foi assinado o Pacto dos Coronéis.
- Durante muito tempo se especulou a respeito de quem concebeu a ideia do polêmico documento. Os estudiosos chegaram a apontar os seguintes nomes: Padre Cícero, Dr. Floro Bartolomeu da Costa, coronel Antônio Luís Alves Pequeno, coronel Antônio Pinto Nogueira Accioly (Presidente do Ceará) e até mesmo o juiz de Barbalha, Dr. Arnulfo Lima e Silva.
- Entretanto, num dos artigos da série “Formal desmentido” publicada por Dr. Floro Bartolomeu, no jornal Unitário, de Fortaleza, de 9 a 17 de junho de 1915,  ele escreveu: “Determinado o dia 11 de outubro do mesmo ano de 1911 para a inauguração da vila e estando mui acirrados os ódios dos chefes do Cariri, especialmente os de Lavras, Aurora, Milagres, Missão Velha, Barbalha e Brejo dos Santos, contra os do Crato e os de Porteiras, lembrei ao Padre Cícero a necessidade de estabelecer-se a harmonia entre todos.  Para isso conseguir, a todos convidamos, de acordo com o Dr. Nogueira Accioly, para no dia 4 de outubro estabelecermos um pacto de paz entre todos os chefes inimizados.”
- Em seu livro Império do bacamarte o escritor Joaryvar Macedo disse: “Seja quem for o autor do pacto, é lícito admitir, ou mesmo acreditar nas suas retas intenções. Não parece justo considerá-lo uma farsa em sua gênese, como querem alguns. O acordo, na sua realidade, transformou-se numa pantomima, porque inexeqüível, pelo menos em parte dos seus artigos. Homens, na sua maioria despóticos, vezeiros em dominar pelo poder do bacamarte, achavam-se absolutamente despreparados para assumir compromissos de tal ordem. De outro ângulo, deixar de proteger facínoras e cangaceiros equivaleria a decretar a extinção do coronelismo. Um dos seus mais fortes esteios era precisamente o banditismo”.

- Diz ainda Joaryvar: “O texto da ata da singular Assembleia dos coronéis sul-cearenses, na qual se firmou o curioso pacto, reflete a posição proeminente do Padre Cícero na contextura coronelítica regional. Manifesta ademais, que, naquela conjuntura, a jeito trabalhada e preparada, o levita, além de assumir a chefia local, investia-se, concomitantemente, no comando político da região”.

- Otacílio Anselmo na volumosa obra Padre Cícero, mito e realidade, diz que na reunião em que Padre Cícero foi empossado como primeiro Prefeito de Juazeiro, o juiz de Barbalha, Dr. Arnulfo Lins e Silva “aproveitou o ensejo para inspirar e, sob o patrocínio do Padre Cícero, promover um convênio entre os numerosos chefes municipais ali reunidos, no sentido de estabelecer um clima de paz e assegurar a tranqüilidade das populações caririenses, até então em pânico permanente por conflitos armados resultantes de velhos ódios entre grupos e famílias irreconciliáveis, transmitidos de geração em geração e que ainda hoje subsistem.”

- Assim como Joaryvar Macedo, Otacílio Anselmo também acha que “apesar da boa intenção do seu idealizador, o pacto seria inexeqüível num meio em que a lei vigente era a do mais forte e onde as questões, mesmo as mais simples, resolviam-se ao sabor da vontade soberana de velhos sobas apegados a seus interesses econômicos e as suas ambições políticas”.

- Edmar Morel parece querer atribuir a ideia do pacto dos coronéis ao Padre Cícero, pois em sua obra Padre Cícero, o santo do Juazeiro ele assim escreveu: “O Padre querendo firmar o seu prestígio junto à oligarquia dos Acciolys, que já governavam o Ceará há vinte anos, em dois períodos, e ao mesmo tempo pôr em prova se ainda seria hostilizado pelos políticos, seus vizinhos, como no caso das minas do Coxá, levanta a ideia da realização de um convênio, no Juazeiro, com a participação de todos os senhores feudais, senhores de cangaceiros e senhores de eleitores”. O autor conclui tachando o pacto como “uma página da história do banditismo no Nordeste, um pacto de honra assinado pelos maiores e mais respeitáveis coronéis que infelicitaram os sertões do Brasil, atirando homens contra homens e transmitindo o ódio e a sede de vingança de geração em geração. Uma página celebérrima do cangaceirismo no Brasil”.

- Na mesma linha segue Amália Xavier de Oliveira, quando em seu livro O Padre Cícero que eu conheci, escreveu: Foi o Padre Cícero quem programou, para o dia de sua posse, uma reunião com os chefes políticos da região a fim de assinarem um pacto de amizade e apoio mútuo tendo como um dos objetivos evitar movimentos que perturbassem a ordem na região caririense, procurando resolver as questões que surgissem, sem contendas prejudiciais, ao desenvolvimento das comunas”. E concluiu Amália Xavier de Oliveira: “Para fazer apresentação dos artigos o coronel Santana passou a Presidência (da reunião) ao Rev. Pe. Cícero, que explicou, aos presentes, a razão por que se fazia, naquele momento, um pacto de amizade e auxílio mútuo, com aquele programa de orientação”. Esta passagem, inclusive, está registrada na ata do pacto transcrita no início deste capítulo.

- Para o escritor Rui Facó, na sua famosa obra Cangaceiros e fanáticos, “o pacto era na verdade um sinal de debilidade, um prenúncio de decadência do coronel tradicional, do potentado do interior, outrora senhor absoluto de seu feudo e em disputa constante com os feudos vizinhos. Sua maneira de pensar fora sempre esta: todos lhe deviam render vassalagem!”.

- Já Irineu Pinheiro, autor de Efemérides do Cariri, os coronéis presentes à reunião em Juazeiro assinaram de comum acordo “um pacto de amizade e apoio mútuo com o fim de extinguir a proteção aos criminosos, evitar movimentos que perturbassem a vida das comunas caririenses, buscando resolver as questões que surgissem entre chefes vizinhos!”.

- A imprensa cearense deu vasta cobertura à reunião que culminou com a assinatura do pacto. Nada, contudo, se compara ao que estampou o jornal O Correio do Cariri, da cidade do Crato que após extensa matéria concluiu assim: “Podem os nossos leitores avaliar das boas intenções daqueles que, esquecendo antigos ressentimentos, se congraçaram, para, cumprindo santos deveres sociais, rasgarem um novo horizonte mais amplo e mais claro, aos públicos negócios desta opulenta e próspera parte de nosso Estado”.

- Mas para o historiador americano Ralph della Cava, autor de Milagre em Joaseiro, os coronéis do Cariri “contentes com a vitória obtida sobre Antônio Luís e desejosos de impedir que o Juazeiro viesse a dominar a região lançaram na famosa reunião a proclamação do hoje famoso Pacto dos Coronéis”. E conclui della Cava: “Finalmente, com o objetivo de fazer vigorar o pacto e garantir a participação da região na divisão do espólio político do poder estadual, comprometiam-se todos os delegados (presentes à reunião), a manter “incondicional” solidariedade com o excelentíssimo doutor Antônio Pinto  Nogueira Accioly, seu honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecer incondicionalmente suas ordens e  determinações”.

- No final das contas, o certo mesmo é que o pacto falhou fragorosamente no conteúdo dos seus dois últimos artigos, pois cerca de pouco mais de três meses após a sua assinatura o presidente Accioly é apeado do poder, constituindo-se no mais duro golpe para os chefes políticos Acciolynos do Ceará.

- O baque do velho cacique da política cearense trouxe de roldão também o baque de muitos coronéis do Cariri, seus correligionários, mas, consoante acentua Joaryvar Macedo “a partir daí, começariam os caciques sul-cearenses, com desmedido empenho, a preparar uma sublevação, no sentido de retornarem ao poder supremo dos seus redutos eleitorais. E voltaram todos, com a vitória da rebelião de Juazeiro, de 1913 para 1914, - uma sedição dos coronéis”.

- À reunião para assinatura do Pacto duas importantes forças políticas do Cariri não marcaram presença nem mandaram representantes: coronel Basílio Gomes da Silva, de Brejo Santo, e coronel Napoleão Franco da Cruz Neves, de Jardim, pois ambos já haviam rompido com Accioly. Contudo, outros chefes políticos destes municípios estavam presentes.

- Por ser dono de várias propriedades rurais (embora tenha deixado tudo para a Igreja) e poder para decidir uma eleição, Padre Cícero é considerado por muitos escritores como tendo sido um coronel. Mas a pecha de coronel, no sentido como o termo é usado e entendido no Nordeste, não se coaduna com o comportamento e a personalidade do Padre Cícero. Ninguém conhece registro da existência de armas em sua residência ou de capangas a sua disposição, coisas muito comuns aos coronéis de que fala a literatura.
           
- Sobre isso nada mais esclarecedor do que o depoimento do historiador Marcelo Camurça, como está no seu livro Marretas, molambudos e rabelistas: “No meu modo de ver o Padre Cícero se relacionou com as oligarquias, transitou na sociedade política, se compôs com os setores dominantes, tanto pela sua condição de sacerdote letrado, um intelectual tradicional, e esta condição o estimulava qual outros padres no Império e na República a ter uma projeção social, quanto pela vontade de ajudar o seu povo, de levar adiante o seu projeto de manter de pé a comunidade do Juazeiro, pela via da conciliação tão marcante na sua visão de mundo. Porém, o Padre Cícero nunca abriu mão de sua identidade sacra, do seu papel de guia religioso, de líder espiritual, para se tornar um político profissional, tampouco abriu mão da mística do "milagre" e de sua visão messiânica, simbólica do catolicismo popular, daquele primeiro sonho que teve quando Cristo encarregou-o de cuidar do Juazeiro e de seu povo. Este sem dúvida não é o perfil de um "Coronel" latifundiário ou de um político das classes dominantes. Um "Coronel" apesar da camaradagem e da articulação do compadrio com seus agregados nunca teve com seu povo um relacionamento tão intenso e profundo; no campo ideológico: como os vínculos do catolicismo popular, da "Santidade"; no campo político e social: como os conselhos dados pelo Padre nos seus "sermões" onde forjou uma ética sertaneja do bem viver; no campo econômico: onde regulou e organizou a produção e o emprego”.
         
- Posicionamento semelhante foi adotado pelo historiador Régis Lopes em seu livro Caldeirão, quando afirma categoricamente: “Padre Cícero alia-se aos coronéis, mas não se torna um deles. Suas atitudes são de apadrinhamento, de um protetor dos desclassificados, de um conselheiro e não de um político ou coronel”.
                                                   MEMÓRIA FOTOGRÁFICA
Tela da artista plástica juazeirense Assunção Gonçalves mostrando sua concepção sobre a sessão solene  na qual foi assinado o Pacto dos coronéis pelos chefes políticos do Cariri.
 














NOTA DO EDITOR: Leia neste blog na página de POLÍTICA este texto em nova edição mais atual revista e aumentada.



segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Padre Cícero, um Bezerra de Menezes


Alguns ancestrais do Pe. Cícero pertenciam à Família Bezerra de Menezes. Quem lê estudos mais aprofundados sobre a biografia de Cícero Romão Baptista, o padre secular que revolucionou a Povoação do Joazeiro, entre 11 de abril de 1872 - quando chega na povoação para residir, na companhia de sua família (a mãe Joaquina Vicência – chamada Dona Quinô, duas irmãs – Mariquinha e Angélica, e uma escrava, Terezinha) e 20 de julho de 1934, quando falece - deve ter encontrado alguns destes registros. As suas tetravó e trisavó paternas, respectivamente, Petronila Bezerra de Menezes e Ana Maria Bezerra de Menezes, filha de Petronila, eram relacionadas por genealogistas como oriundas da contribuição étnica da família, dos troncos existentes entre velhos povoadores da Bahia, de Pernambuco e de Sergipe, especialmente. Contudo, as ressalvas eram feitas, admitindo-se que eventualmente fossem estes ancestrais consanguíneos. Levantamentos mais recentes mostram de forma inequívoca, as relações familiares destes avoengos com as mesmas heranças espanholas e portuguesas já referidas para a ancestralidade do Brigadeiro Leandro Bezerra Monteiro. O nono filho do casal Bento Rodrigues Bezerra e Petronilla Velho de Menezes, se não teve uma grande importância no povoamento do Cariri, menor não é o significado de sua descendência, especialmente, para Juazeiro do Norte, pois representou o berço do patriarca da extensa Nação Romeira, o reverendíssimo padre Cícero Romão Baptista . Assim:
1. João Bezerra de Menezes matrimoniou-se com Maria Gomes, e foram os pais de:
2. Petronila Bezerra de Menezes que casou com o Cap. João Carneiro de Morais, e geraram:
3. Ana Maria Bezerra de Menezes, que desposou o Cap. Francisco Gomes de Melo, pais de:
4. José Gomes de Melo, capitão, de cujo enlace com Ana de Farias, tornaram-se pais de:
5. Vicência Gomes de Melo, que uma vez casada com José Ferreira Castão, foram os pais de:
6. Joaquina Vicência Romana (ou Joaquina Ferreira Castão – Dona Quinô), de cujo casamento com Joaquim Romão Baptista Mirabeau, foram os pais de:
7. Padre Cícero Romão Baptista.

Por conseguinte, o Pe. Cícero Romão Baptista é um Bezerra de Menezes. Neste caso, sem nenhuma dúvida, este parentesco com os povoadores do Sítio Joazeiro se verifica bilateralmente, pelos lados materno e paterno. (Daniel Walker e Renato Casimiro)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O violino do Padre Cícero – por Joaquim Bezerra de Menezes (*)

Padre Cícero Romão Batista trouxe dois violinos de Roma. Um deles para um sobrinho e o outro foi presenteado ao tabelião Antônio Machado, seu afilhado, por quem o sacerdote nutria grande afeto. Machadinho, como também era conhecido, foi tabelião no Crato por muitos anos. O instrumento, marca Maggini, modelo 1715, provavelmente foi adquirido de segunda mão, uma vez que havia deixado de ser fabricado décadas antes.
 No fundo do instrumento, embaixo do tampo, foi colado um papel e nele consta “Adquirido pelo Pe. Cícero em Roma – Itália 1898, of a Antônio Machado em 26/03/1929 – Ceará – Juazeiro”.
  Antônio Machado cedeu o violino ao músico Paulino Galvão que passava uma temporada em Fortaleza. Indo morar no Rio de Janeiro, Paulino Galvão foi colega de orquestra do violinista cratense Virgílio Arraes, spalla da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do RJ. Tocaram em outras orquestras e trabalharam juntos em muitas ocasiões, inclusive gravações de cantores da MPB de primeira linha. O dono do violino requereu aposentadoria e mudou-se para uma cidade do interior do Rio de Janeiro, deixando de tocar profissionalmente. Uma curiosidade: apesar de raro e do valor incalculável, a peça musical jamais foi comercializada após chegar ao Brasil, foi sucessivamente passada de mãos em mãos.
  Passado alguns anos, Virgílio resolveu visitar o antigo colega na cidade onde estava morando e manifestou desejo de adquirir o violino que pertencera ao fundador de Juazeiro do Norte. O músico aposentado respondeu que o instrumento era valioso demais para ser vendido e por esta razão não vendia. Mas na hora da despedida pediu para o visitante aguardar um pouco, foi ao interior da casa e retornou com o instrumento raro, entregou ao amigo dizendo que era presente. Apenas pediu que cuidasse bem dele.
Assim, o violino único, que pertenceu ao Padre Cícero, foi parar nas mãos de um cratense, e está bem guardado e bem conservado.

Virgílio Arraes Filho
O proprietário do violino histórico, Virgílio Arraes Filho, merece capítulo à parte. Nascido no Crato, filho de Virgílio Arraes e de Marcionilia de Alencar Arraes, surpreendeu sua mãe quando, aos oito anos, afinou e tocou o bandolim a ela pertencente, sem nunca ter tido uma única aula de música. Diante do prodígio, seus pais procuraram o maestro da banda municipal para que lhe transmitisse noções da 1ª arte. Ainda criança, ouviu uma música no rádio e sentiu-se atraído pelo som do violino, que jamais havia visto. Comunicou aos pais que não queria mais tocar bandolim e sim violino. “Seu” Virgílio (proprietário da primeira sorveteria do Crato – Sorveteria Brasil - e ex-prefeito de Campos Sales, onde nasceu) mandou buscar o instrumento no Rio de Janeiro. Resolvido um problema, surgiu outro: não havia professor no Cariri. A família mudou-se para Fortaleza. Os mestres da capital cearense perceberam o enorme talento do aluno e aconselharam o aluno brilhante ir estudar na então capital brasileira, o Rio de Janeiro.
 No Rio de Janeiro a carreira foi meteórica: primeiro lugar no vestibular na escola de música da UFRJ (1953), primeiro colocado no concurso público para a orquestra do Teatro Municipal, onde foi o primeiro violonista (“Spalla”) durante muitos anos. Músico da Orquestra Sinfônica Brasileira, da orquestra da TV Globo e muitos outros feitos. Único músico a tocar no cinquentenário (1959) e centenário do Teatro Municipal do RJ. Em seu currículo constam performances nos mais importantes palcos do mundo, inclusive com a orquestra do Royal Ballet de Londres, onde foi aplaudido pela realeza Inglesa e recebeu cumprimentos pessoais da princesa Anne.
  Participou de gravações com consagrados nomes da MPB, como Roberto Carlos, Chico Buarque de Holanda, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Simone, Fagner, Djavan, Dalva de Oliveira, Orlando Silva e muitos outros.

(*) Joaquim Arraes de Alencar Pinheiro Bezerra de Menezes, economista cratense, residente em Recife (PE).
(Postagem original: http://catadoradeversos.blogspot.com) 
Na foto, tirada em 31.07.2011, aparecem Virgílio Arraes e o Padre Ágio.


quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A I FIC - Por Aderson Borges de Carvalho


Chegava do Rio e São Paulo e fui convidado para uma reunião no Clube dos Doze. Por iniciativa de João Barbosa, socialmente, sempre atuante, projetava-se a realização de uma festa naquele clube, precedida de disputa para a eleição da "Rainha", entre seis jovens beldades de nossa terra, que teriam patrocínio de indústrias locais. A idéia era interessante, mas na minha ótica, sem retorno aos patrocinadores, em termos de eficiência publicitária, por realizar-se num salão, que, elitista, seria inibidor da presença de pessoas, socialmente mais modestas. Sugeri então que déssemos maior amplitude ao evento, partindo para uma mostra onde os expositores fossem indústrias de toda a região, já que estávamos empolgados e ansiosos pelo sucesso do "Plano Asimov" em incipiente implantação. A minha proposta foi aceita, mas "o feitiço caiu por cima do feiticeiro": Fui aclamado Presidente do Comitê de Organização, com Aldemir Sobreira e João Barbosa, na secretaria e tesouraria, respectivamente. Teríamos o apoio do Rotary, Lions e Câmara Júnior. Esse apoio não o tivemos em bloco, mas de um ou outro filiado, entre os quais destaco os odontólogos, Luiz de Souza e Edval Almeida, Manoelito Vitorino, Francisco Moreira, Dr. Ivan Barros, mais um ou outro, que não me vem à memória. O apoio de Valtemar Aquino, gerente do Banco do Nordeste, foi decisivo, pelo seu trabalho de estímulo e persuasão junto aos industriais clientes da agência, que assistidos financeiramente, ao exporem seus produtos, promoviam, também a "conterrânea" instituição bancária.
Tinha uma idéia geral do que seria um certame desse porte enquanto eficiente meio de publicidade, que muito visitara nas amiudadas viagens ao Sul do País e capitais nordestinas. Com as adesões que foram chegando, demos início a estruturação e adaptação de toda a área coberta ou não, do Treze Atlético Juazeirense, (antiga sede) na Praça São Vicente. Os stands iam sendo preparados, os convites expedidos para as mais altas autoridades do país e do estado, Presidente, Ministros, Governador, Secretários, Deputados, com dia e hora marcados.
Indo o Dr. Luiz de Souza a Fortaleza, pedi-lhe que fizesse um trabalho de divulgação pelos meios de comunicação, através de entrevistas e comentários. Dias depois, a complicação: o Delegado do Ministério da Indústria e Comércio, por telegrama avisava ao Prefeito Mauro Sampaio - que não participava da promoção, - e aos presidentes do Rotary, Lions e Câmara Júnior, que a feira estava proibida de funcionar, por descumpri-mento das exigências legais sobre feiras e exposições. Rápido, procurei os destinatários, para que nada divulgassem. Na Prefeitura encontrei Coelho Alves, da Rádio Iracema, já senhor do assunto e pedi-lhe que não veiculasse a notícia até que voltasse de Fortaleza onde me encontraria pessoalmente com o Delegado. Coelho Alves, juazeirófilo, mais que radialista e publicitário, sofreou os ímpetos de repórter ávido por notícias sensacionais, dando realce ao seu acendrado sentimento de juazeiridade. No silencio, um grito de amor às coisas do Juazeiro.
Sem a sua silenciosa colaboração, seria inevitável a desistência dos expositores, debalde todo o esforço despendido em mais de dois mil quilômetros que rodei em muitos dias de entusiástico e exaustivo trabalho; tudo desabaria, soterrando no conceito público, a minha reputação de homem confiável, conquistada durante anos de coerência e lealdade aos compromissos assumidos.
Em Fortaleza, pedi ao meu primo Wilson Machado, informações sobre quem era o Dr. Edgar Damasceno. A informação foi de que se tratava de um senhor polido e acessível ao diálogo. O informe era correto, mas a proibição da feira, reafirmada. Mostrou-me a lei que, taxativa, impunha também uma maratona burocrática, que deveria começar pelo menos noventa dias antes da abertura da exposição. Perguntei-lhe o que aconteceria a infratores dessa Lei.
-Sofrerá penalizações variáveis, dependendo da gravidade da transgressão.
-O que o senhor faria, caso ousássemos levar à frente, o empreendimento?, - perguntei.
É uma hipótese não prevista, mas poderíamos até recorrer à ação das Forças Armadas. Estávamos em outubro de 1967. Ditadura! Fiquei quase sem alento para conversar. Lembrei-me de que o General Dilermando Monteiro, Comandante da 10a Região, estava no Cariri supervisionando as tropas em manobras. Apareceu um raio de esperança, mas não o externei. Encorajei-me para reiniciar o diálogo:
Senhor Delegado, está tudo pronto para a abertura do evento, convidei as mais altas autoridades, inclusive o Presidente e os Ministros, o Governador, Secretários, o certame é patrocinado por clubes de serviço sem fins lucrativos, ignorávamos a Lei; o "Diário da Republica," nem os juizes e promotores o recebem; num país com enorme contingente de analfabetos é até irônica a chapa "entrará em vigor na data da publicação no Diário Oficial", e que ninguém poderá alegar ignorância da Lei, e quejandos. Sei que o senhor entende tudo, mas eu lhe digo, que não é concebível que alguém seja penalizado por querer promover a sua terra, a sua região, o que é sem dúvida, um patriótico esforço de integração no contexto do País.
Senti que o Dr. Damasceno se sensibilizara com os meus argumentos, mas que nada podia fazer. Fui em frente, e arrisquei:
Se alguém tiver de ser punido porque deseja promover a sua terra, que seja eu, pois sou o mais empolgado e comprometido com a iniciativa. Vislumbrei na sua face bem menos anuviada um tênue ar de riso. Continuei.
-Eu queria que o senhor, sem se julgar ofendido, permitisse usar sua máquina, papel e carbono, para oficiar ao Sr. Ministro, relevando a sua vigilância quanto ao cumprimento da Lei, mas pedindo consentimento especial para o nosso caso.
Ele acedeu sorrindo, e ainda mandou o ofício no malote oficial.
Fiquei aliviado, mas precisávamos de dinheiro para evitar falta de recursos na reta final. Encontrei com o ilustre economista juazeirense, Dr. Itamar Pereira de Matos, que era da Secretaria do Planejamento, pedi-lhe ajuda e em tempo recorde, agilizando a tramitação burocrática, entregou-me na mão, um cheque de três mil e duzentos cruzeiros, lamentando que a verba para esse fim já estivesse esgotada.
A realização do certame não estava assegurada, mas confiando num desfecho feliz, fui em frente com os companheiros. Visitei o Gal. Dilermando Monteiro na residência do Sr. José Maria de Figueiredo, falei da nossa feira, sem qualquer alusão ao incidente de ordem legal, ofereci-lhe uma área, pedindo-lhe que a utilizasse para a exposição de armas e apetrechos bélicos. Aceitou agradecido. No dia aprazado, abriu a feira, o Vice-Governador Elery Barreira, no dia seguinte chega o Dr. Damasceno, sorridente, com a credencial de representante do Sr. Ministro da Indústria e Comércio.
Por iniciativa de Dona Zuíla Morais, numa palhoça, funcionou a boate "Maria Bonita," onde os militares, uma noite, jantaram e dançaram com a licença daquele "SENHOR GENERAL", como a oficialidade se referia ao saudoso comandante, que também, democraticamente, se divertiu a valer.
Houve um show com Caubi Peixoto e Ângela Maria, sucesso absoluto. Tivemos stands que dignificariam qualquer Exposição. A FIC, ainda hoje é lembrada com saudade pelos daquele tempo, foi trabalhosa, mas para mim, particularmente, trouxe a deliciosa sensação que se tem, quando numa partida de xadrez, ante iminente derrota, com um só e inspirado lance, passamos para uma posição vencedora. Não foi a primeira vez que me vi quase derrotado e terminei vencedor, em situações idênticas, embora de menor significado social, com otimismo e bom senso.
Tudo bonito, mas o nosso sofrimento moral ninguém soube nem podia saber e muito menos avaliar. Sim... aquele "I", no título é algarismo romano. A Lei proíbe o uso de algarismos arábicos, para designar a ordem seqüencial de feiras e exposições. Isso eu aprendi. A nossa era a 1ª FIC.
Quem quiser fazer a segunda, fique sabendo. Essa, a minha gratuita contribuição aos interessados.
18/01/1999
Transcrito do livro Crônicas do Cariri, do autor.





COMENTÁRIO RECEBIDO:
Como é bonita a História, como homens decididos e predestinados organizam uma peleja. Eu era criança nesta epoca e estive nesta feira pois foi defronte da minha casa, no TREZE colado ao Grupo Pe.Cicero- 1a-FIC.
 Aderson Borges  foi primordial para o crescimento da cidade.
 A 1a-FIC foi um marco para todos nós desta terra, não existe um único Juazeirense que não se lembre deste marco. Eu agradeço hoje o esforço aplicado naquela época, não conhecia  esta face dos bastidores como conheço hoje nas organizações dos Congressos Médicos que participo, só quem comanda e organiza é quem sabe, para nós esta Feira foi um SUCESSO.
 Juazeiro aplaude estes desbravadores.
Precisa o juazerense  saber mais.
Um abraço,do amigo.
 Iderval Reginaldo Tenório
Juazeirense ( Médico em Salvador)
http://www.iderval.blogspot.com
driderval@bol.com.br

domingo, 24 de julho de 2011

Resumo histórico da educação em Juazeiro do Norte - Por Amália Xavier de Oliveira


Quero confirmar o que afirmo quando digo: Escola Normal Rural, "Célula Mater" do desenvolvimento cultural de Juazeiro, convidando os que me quiserem ouvir, para dar um passeio nesta Juazeiro do Norte indo do presente em 1934 a um passado dos últimos anos do século 19 e primeiros anos do século 20.
Século 19 — 1860: A primeira Escola Régia, localizada em Juazeiro - Professor — o Capelão Pe. Antônio de Almeida que, em 1865, alistou-se no Batalhão dos Combatentes da Guerra do Paraguai. Foi substituído pelo Prof. Simião Correia de Macedo, que teve como sucessor seu irmão, Pedro Correia de Macedo.
Na década de 1880 foi criada a segunda Escola, regida pela Professora D. Naninha ou Ana Joaquina de São José, que criou Joana Tertulina de Jesus, beata Mocinha. D. Naninha ou Ana Joaquina de São José era casada com o Sr. Vicente de Oliveira Mota.
Ainda na era de 1880, duas professoras foram preparadas para assumir o cargo nas duas cadeiras existentes: foram elas D. Generosa Landim e D. Carolina Sobreira Lobo.
Na década de 1890 o Padre Cícero localizou quatro Escolas Particulares: duas masculinas; a primeira regida por Guilherme Ramos de Maria, e a segunda por Mestre Miguel. Duas femininas: a primeira regida por Izabel Montezuma da Luz e a segunda por Maria Cristina de Jesus Castro, Mensalidade a pagar: 10 tostões.
Século 20 - primeira e segunda décadas: Apareceram outras escolas particulares: Francisco Belmiro Maia; José Joaquim Teles Marrocos e Raimundo Siebra.
Em 1912 uma Escola Pública - professora Maria Luíza Furtado Landim.
Em 1914 - Josefa de Alcântara Leite de Alencar.
Em 1916 - Dr. Floro Bartholomeu da Costa instalou algumas escolas municipais, nomeando para duas delas: Donata Bezerra de Araújo e Maria Conceição Esmeraldo.
Mais ou menos em 1920, talvez, mais duas escolas públicas regidas por duas professoras: Adelaide Sousa Melo e Raimunda Lemos. Estas professoras sobressaíram, na época, ensinando: Português, Matemática, Geografia, História, Ciências. Fizeram mais: faziam-se presentes com os seus alunos nas festas religiosas, sociais e políticas.
Em 1922, o Pedagogo Professor Lourenço Filho, chamado de São Paulo pelo Presidente Serpa para Diretor da Instrução no Ceará, iniciou a Reforma no Curso Normal.
Em 1923, diploma-se a primeira Turma da Reforma Lourenço Filho. Dela fazia parte a juazeirense Maria Gonçalves da Rocha Leal, que recebeu, como prêmio, uma cadeira em 1924, localizada em Juazeiro.
Em 1927, as 5 cadeiras primárias e isoladas, existentes na cidade, foram agrupadas e a Direção entregue à professora Maria Gonçalves, que com Stela Pita, Leonina Sobreira Milfont, Adelaide Melo e Elvira Medeiros, constituíram o Grupo, onde os alunos faziam até o 3.° ano primário.
Em 1928, chega a Juazeiro a segunda juazeirense que conseguia um diploma de professora no Colégio das Dorotéias de Fortaleza, equiparado à Escola Normal. Era esta que aqui vos fala e responde pelo nome de Amália. Não conseguindo uma cadeira, abriu um curso particular, onde recebia alunos, dos quais sito alguns ainda entre nós: Joãozinho e Zezinho Figueiredo, Hildegardo e Zuíla Belém, Assunção Gonçalves, Diva Pinheiro,  Dolores Augusto, Lourival  Marques (da Rádio Nacional), Papírio Carleial,  Engenheiro,  residente no Estado da Bahia.  Ainda em 1928, assume a Diretoria do Grupo, Nina Sobreira Milfont, substituindo Maria Gonçalves, que resolvera passar uma temporada em Cucaú, usina perto de Recife.   Somente em 1929 no Governo de Matos Peixoto, com Moreira de Sousa na  direção da Instrução, foi criada mais uma cadeira no Grupo Escolar e a professora Amália Xavier de Oliveira foi chamada para ensinar na 4ª Série do Grupo.  No fim do ano receberam certificados do Curso Primário, numa sessão soleníssima, presidida pelo Padre Cícero,  19 alunos, cujos nomes de alguns, vão aqui citados: Assunção Gonçalves, Doralice Soares, Dos anjos Soares,  Elza Pimentel, Maroli  Melo,  Dolores Augusto,  Maria  Neném  de  França,  Lourival Marques (da Rádio Nacional), Engenheiro Papírio Carleial.
O desenvolvimento cultural de Juazeiro, em 1929, atingiu o 1primeiro degrau na escada ascensional, chegando ao 4.° Ano Primário.   Era pouco demais para uma cidade que crescia a olhos vistos em outros setores.  Havia ainda três colégios particulares: 1.° - O São Miguel, colégio masculino - Diretor, Dr. Manoel Pereira Diniz. 2.° - O São Geraldo, colégio misto - Diretor-proprietário, Prof., Edmundo Milfont. 3. ° - O Professor Anchieta Gondim, também colégio misto. Precisava mais alguma cousa.  Recursos parcos não permitiam aos pais educarem seus filhos fora da cidade.
A redenção estava perto: Carneiro de Mendonça na Interventoria do Ceará; Moreira de Sousa, na Direção do Ensino; Lourenço Filho na Direção do Instituto de Educação no Rio; Anízio Teixeira na Direção do Ensino no Rio; Gustavo Capanema no Ministério de Educação; Leoni Kasefi, coordenando cursos de aperfeiçoamento no Instituto de Educação, no Rio, pondo à disposição do Ceará 10 bolsas  de Estudos para Professores; Moreira de Sousa, enviando 10 professoras para a Curso de Aperfeiçoamento; Sud Menucci, em São Paulo, estudando as bases dos métodos de ensino pregados por Alberto Torres. Conclusão desse movimento renovador: A Educação  que convém ao Brasil é a Educação Rural, pois o Brasil é uma imensa zona rural. A conclusão foi arrojada.  Os estudiosos puseram-se em campo e, concluíram: Vamos escolher a Escola para o meio a que se destina: Zona Rural - Escola Rural; isto é, Escola que ensine ao homem do campo a "viver no campo, do campo, pelo campo e para o campo”.   Tem que ser diferente; estudemos suas bases e vamos por em prática. A Escola precisa ensinar a viver. O homem para viver não precisa somente aprender a ler, escrever e contar. A Escola que convém é aquela que dá ao homem os meios para viver em seu ambiente, melhorando-o, desenvolvendo-o, orientando suas condições de vida. Enfim é a Escola de acordo com a região a que deve servir. Esta era a Escola sonhada por Moreira de Sousa para o Ceará, realizada por Plácido Castelo no Juazeiro.
Nasceu do idealismo destes dois grandes cearenses. Teve sua infância bafejada pelo prestígio dos entendidos e alimentada com o sacrifício dos que lhe ensinaram a dar os primeiros passos. Da infância à idade adulta, lutou para vencer. Atingiu a meta, razão de ser de sua existência - beneficiar a juventude, preparando o brasileiro digno do Brasil, o cearense digno do seu nome, o juazeirense para valorizar sua terra natal. Até 1973, 66 turmas se sucederam entregando ao Brasil centenas de professores rurais.
Não era uma simples Escola Normal Rural. Vieram depois os Cursos: Ginasial e Colegial. Diversos alunos com certificados do Curso Colegial, enfrentaram o Vestibular para as Faculdades em Recife, Fortaleza, e no ano seguinte podia atender pelo título de Acadêmico. Em 1972 passou a chamar-se Centro Educacional Professor Moreira de Sousa. Por força da Reforma, deu em 1973 a última turma de professoras especializadas para a Zona Rural. Em 1974 saiu a primeira Turma de Professoras do Normal Pedagógico Comum.

sábado, 16 de julho de 2011

A NOITE DOS CACETEIROS -Por Fernando Maia Nóbrega

                                                           “Vivas a meu padim Padre Cícero
                                                           e a Santa Virgem Mãe de Deus”
                                                                       (Grito dos Caceteiros)
                                                                                 
1 - Súmula
Envolvidos:    Romeiros
Local:              Juazeiro do Norte - Igreja de N.Sra. das Dores
Data:               Novembro de 1.934
Motivo:           Invasão à Igreja de N.Sra. das Dores em virtude do receio de que os comunistas     retirassem do altar a          imagem da Santa.
Causa Mortis:             Tiros de fuzil
Acusados:       Contingente da polícia militar sob o comando do sargento Mena Barreto.

2. Antecedentes.
 2.1 – Os Caceteiros
 Os Caceteiros, também conhecidos como “Cerca-igrejas”, eram pessoas simples, moradores de sítios e fazendas do Cariri, afamados por manusearem com destreza, técnica e perícia um bastão de madeira nos combates que exigiam corpo a corpo. No do século XIX, foi muito comum o uso dos Caceteiros como grupo paramilitar na proteção das cidades ou em revoluções devido à escassez e dificuldades na aquisição de armas de fogo. (01) Era uma terrível e assustadora arma usada por eles, tanto para defesa pessoal como para guerra,  fabricada de várias maneiras, conforme afirma Gustavo Barroso: “Quirim é o cacete meio curto, feito de uma vergôntea de duro e fortíssimo jucá, assada, de canela de veado, cheia de estrias, de negra maçaranduba ou coração de negro” (02).
Uma das primeiras vezes em que se têm notícias da utilização desse contingente como grupo paramilitar ocorreu na Confederação do Equador em 1824 pelo Capitão-de-Ordens Joaquim Pinto Madeira. No combate de Picada, os Caceteiros formando uma espécie de infantaria dizimaram ferozmente os adversários com certeiros golpes desse bordão no crânio ou esfacelando ossos onde quer que atingissemcusados:       . Têm-se notícias da presença de 500 Caceteiros na Guerra do Paraguai em 1865 (02)
Um fato bastante interessante é quando os Caceteiros se transformavam em “Cerca-Igrejas”, espécie de defensores ou guardas da religiosidade popular. Bastava qualquer ameaça que pairasse sobre a Igreja, mesmo infundada, eles se reuniam autônima e independentemente e lá estavam como guardiãs da fé, defendendo sua crença e sua religiosidade.

2.2. - Um Medo Coletivo
 A mudança intelectual sofrida pela Europa nos princípios do século XIX, foi profunda demais para ser aceita repentinamente nos cafundós do nordeste brasileiro.
As grandes transformações vindas com a Revolução Francesa, em 1789, apregoando a igualdade, fraternidade e liberdade, impactaram violentamente aqui no Brasil onde imperava ainda a escravidão.
Outro lema proposto na Revolução era o banimento por completo da escuridão intelectual reinante no planeta. Em plena efervescência do positivismo francês, difundia-se o racionalismo e se sugeria o fim das tolas crendices religiosas impostas principalmente pela Igreja Católica, a grande responsável pelo atraso científico do mundo. Existiam pensadores que propunham, até, a troca do catolicismo pelo culto à racionalidade. (03). Chegou-se ao exagero de sugerir que a imagem de Nossa Senhora de “Notre Dame” fosse substituída pela Deusa Razão na cidade de Paris. (04).
No Cariri essa nova filosofia chegou de forma deturpada, gerando receio que tais heresias se repetissem por aqui.
O Brasil evidentemente não ficaria imune às transformações ocorrida na França, posto que nossa elite era educada na Europa e a França ditava a moda e costumes daquele tempo. Daí que em 1821 houve várias manifestações, no sul do país e, no nordeste, em Pernambuco, clamando por uma constituinte que viesse mudar o quadro social da nação.
Tal movimento político se espalhou no interior do Ceará. Talvez pela similaridade com os lemas da Revolução Francesa, o povo, sem muita instrução escolar, interpretou erroneamente as noticias chegadas. Em pouco tempo, corria de boca em boca a inverossímil notícia de que um grupo de ateus pretendia retirar, do altar da matriz do Crato, a imagem de Nossa Senhora da Penha e por, em seu lugar, uma prostituta de nome Úrsula!
Ocorreu que no dia 05 de agosto de 1821, celebrava-se, no Crato, uma missa de ação de graça pelo regime constitucional, quando a igreja foi invadida pelos “cabras” da serra de São Pedro, armados de cacetes, enxadas e foices, com o propósito de impedir que a Santa fosse dali retirada (05). Na ocasião houve brigas e várias pessoas saíram feridas.
O fanatismo religioso no Cariri era tão forte a ponto dos “Cerca-Igrejas” não dependerem do ponto de vista oficial da Igreja ou de líderes políticos para tomarem suas decisões. Auto se denominavam de “Protetores da Fé”, “Guardiãs do Templo” e defendiam per si a bandeira de suas próprias crenças.
É bem verdade que essa autonomia tinha origem na desconfiança dos populares contra os padres. Os sacerdotes, salvo honrosas exceções, viviam em concubinatos, amealhavam riquezas e durante bastante tempo apoiaram o regime escravocrata do Brasil. Há registro que as igrejas do Recife foram invadidas e se quebraram imagens de santos. “Nos municípios de Acarape e Quixeramobim, no Ceará, registram-se também, nos anos de 1874-1875, a invasão de templos católicos, e aí são rasgados livros de atas e quebrados móveis”. (06). Havia uma profunda mágoa na alma do povo contra os padres lazaristas franceses que abandonaram, com medo de morrerem, a cidade do Crato quando lá surgiu cólera morbus, em meados do século XIX, procedimento esse muito contrário aos ensinados por Jesus Cristo.
Um outro fato que veio servir de divisor de águas entre a igreja oficial e a popular foi o denominado “Milagres de Juazeiro”. Em 06 de março de 1889, na Igreja de Nossa Senhoras das Dores, quando o reverendo padre Cícero Romão ao dar comunhão à beata Maria de Araújo, a hóstia consagrada se transforma em sangue!(07) A notícia do milagre se espalhou rapidamente pelo sertão e a cidade passou a ser ponto de peregrinação e o sarcedote a ser venerado como santo pelos nordestinos. A Igreja oficial enviou várias comissões de inquérito para averiguação dos fatos e os considerou como embuste. Uma forte pressão foi exercida sobre o padre Cícero para que negasse a miraculosidade dos acontecimentos. A posição forte da Igreja revoltou os sertanejos que passaram a tê-la como inimiga.
Um bom exemplo dessa dicotomia ocorreu em Juazeiro do Norte em 15 de setembro de 1921. O vigário da cidade, Padre Esmeraldo, resolveu demolir uma das torres da igreja, por estar deteriorada, em péssimo estado de conservação, para reconstruí-la depois. Aos olhos dos Caceteiros ou “Cerca-Igrejas”, isso se constituía uma invasão profana à Casa de Deus! Como guardiões da fé, ali estavam para defenderem-na com sacrifico das próprias vidas! Afirma a escritora Amália Xavier: ”Armados de cacetes pensavam que deviam assim defender a casa de Nossa Senhora (...)” (08).
Via-se, então, que pouco a pouco a formação de um sistema autônomo protetor da fé popular. Sem qualquer comando, sem um local fixo, o grupo de Caceteiros surgia organizado e forte. Bastava um boato qualquer e eles se arvoram de um poder defensor da fé popular.

3-   O Dia do Massacre
 Após a morte do Padre Cícero ocorrida em 1934, aconteceu um processo inverso do que pensava a igreja católica: o número de fanáticos em Juazeiro do Norte aumentou assustadoramente!
Era freqüente a presença de beatos na calçada da igreja pregando o fim do mundo ou interpretando à sua maneira o que o patriarca de Juazeiro falara. A religiosidade popular aumentava de maneira impressionante.
Eis que um fato fez eclodir o velho medo coletivo da usurpação da Casa de Deus! Em 29 de setembro de 1934 (09), Monsenhor Pedro Esmeraldo, ao rezar missa, aproveitou o sermão para falar sobre o regime comunista e as recentes atrocidades que essa forma ateísta de governo vinha cometendo na Rússia. No ápice da empolgação de sua oratória, atentava aos tementes a Deus sobre uma possível destruição da Igreja por partes dos ateus comunistas! Agora era que a coragem dos romeiros estava à prova: expulsar os inimigos de Deus quando chegasse esse terrível momento!
E por essas fatalidades do destino, em meio a sua pregação, o padre Esmeraldo foi acometido de repentina dor de cabeça e caiu fulminado em cima do altar que celebrava a missa!
A estupefação popular foi enorme!Os fieis viam naquilo um aviso divino. O velho pesadelo da invasão à Casa de Deus veio à tona. Dr. Geraldo Menezes Barbosa retrata com maestria a sensação dos presentes:
 “Ficara, porém, seu sermão comentado entre os romeiros e sua morte, no altar como uma ação divina, um martirológio, a exigir dos fiéis uma represália corajosa contra a vinda dos comunistas. (...)” (10).
A morte do vigário, dois dias após a síncope sofrida na igreja, em circunstância tão inusitada foi o acicate para a junção do grupo dos “Cerca-Igrejas” na função de protetores da Morada da Mãe de Deus. Em pouco tempo foram-se aglutinando a frente da matriz homens armados de foices, enxadas e bastões sob o comando de um certo Venâncio “(...) chegando a se reunir, na aludida igreja, em número mais de 200 (11)”.
          Como um exército perfeitamente treinado e organizado, os Caceteiros de logo traçaram a estratégia a ser tomada. Um grupo seleto circundaria a imagem da Santa como um rosário dentro da igreja e os demais permaneceriam nas portas impedindo a passagem de quem quer que fosse. Ninguém saía ou entrava sem a permissão dos chefes.
          É evidente que tal aglomeração nas dependências da matriz tornara-se inoportuna para a população local que reclamava do aumento de furto e desordem na cidade. Acusava-se, até, do uso de maconha por parte de alguns invasores.
          Em que pese os constantes rogos das autoridades locais, os Caceteiros se mantinha irresolutos na sua decisão. Intitulavam-se de “(...) Leões e leões não recuam diante do perigo!” (12).
          Certa ocasião, o próprio Padre Juvenal Colares Maia, substituto do falecido vigário, tentou dialogar com os invasores e foi agredido violentamente. De outra feita, Preto Júlio, Guarda Civil conhecidíssimo na cidade, foi confabular com os Caceteiros e saiu gravemente ferido.
          Diante da situação insustentável, o prefeito José Geraldo da Cruz se viu obrigado a solicitar a intervenção policial. Dirigiu um telegrama relatando os fatos ao Secretário de Polícia e este autorizou ao comandante do batalhão a tomar as providências cabíveis.
          Seguindo ordens, o capitão da polícia Osimo de Alencar Lima, juntamente com o colega também Capitão Firmino de Araújo, reuniu uma comissão de civis e tentaram convencer os ocupantes da inutilidade de suas ações. Em dado momento, porém, um fanático investiu com uma foice sobre o civil Antonio Braz que não morreu graça a interferência do capitão Firmino. O diálogo se tornara inútil. De Fortaleza emanou um telegrama do Secretário de Polícia exigindo a expulsão dos invasores. Que fosse evacuada a igreja ocupada por mais de dois meses. Uma volante policial comandada pelo sargento Mena Barreto, outro sargento, um cabo e doze soldados, armados de fuzis, dirigiram-se ao templo com o intuito de promover sua desocupação.
Mesmo diante da presença dos militares, não demonstrando medo, os ocupantes vociferavam:
-“Viva a meu Padim Padre Cícero e a Virgem Santa Maria Mãe de Deus!”.
O clima emocional foi ficando paulatinamente mais quente. De um lado se encontrava a volante policial pronta para cumprir a ordem recebida; do outro lado os Caceteiros em pé de guerra.
O sargento Mena Barreto vira para seus comandados e grita:
-“Acelerado!”
Ao penetrar na igreja o corpo policial se viu acuado diante da ameaça dos “Cerca-Igrejas” que partiram decididos em cima dos soldados. Diante do perigo iminente, o sargento ordenou que fosse disparada uma saraivada de balas para o alto com o intuito de amedrontar os agressores.
Os fanáticos ao notarem que ninguém havia sido atingido, viram nisso uma intervenção de Deus e aos gritos de “Vivas a meu Padim!” investiram ferozmente contra os policiais. Sem alternativa, o sargento Mena Barreto bradou:
-“Fogo! Fogo!”
Os corpos dos insurgentes começaram a cair e o sangue a salpicar pelas paredes da capela. Gritos de desesperos foram ouvidos por todo lado e numa correria desordenada abandonando a igreja.
Horas depois, já alta noite, um caminhão recolhia os mortos e os levava para serem enterrados numa cova coletiva no cemitério local. O número de mortos nunca foi oficialmente informado. Porém, há registro de seis ou sete óbitos e vários feridos (12).
Os Caceteiros se manifestaram novamente no massacre ao Capitão José Bezerra em 1936 e a ojeriza do povo pelo clero oficial culminou com a morte do Monsenhor Joviniano Barreto em 1950, na cidade de Juazeiro do Norte, assassinado brutalmente por um louco alcunhado Pé de Galo.

NOTAS
01 – José de Figueiredo Filho – História do Cariri volume 3, capítulo 11, pagina 21 – Faculdade de Filosofia do Crato – Crato-Ce 1966 ao  relatar sobre a Guerra de Pinto Madeira diz:
“(...) grosso contingente de sertanejos, os quais, a falta de arma de            fogo, em grande parte se muniam de cacetes em cujo manejo eram             afamadamente amestrados”. (...)

02-       Jornal “O Araripe”, apud José Figueiredo Filho & Irineu Pinheiro –           Cidade do Crato pág.33, MEC Rio de Janeiro.

03-       Gustavo /barroso – Terra do sol – página 121- 6º Edição - Imprensa          Universitária do Ceará – 1962

04-       Irineu Pinheiro e José Figueiredo Filho – Cidade do Crato página 27 -      Ministério da Educação e Cultura1955:
“Não fez subir a Revolução Francesa ao altar de Notre Dame uma            beleza de teatro, que simboliza a razão?”

05-       Irineu Pinheiro, o.c.pg.26

06 – Rui Faço – Cangaceiros e Fanáticos gênese e lutas- 6º Edição pg.40,             Ed.UFC civilização Brasileira-Rio de Janeiro 1980, apud Eusébio          de Sousa, História militar do Ceará, Fortaleza 1950, pg. 293.

07 – Amália Xavier de Oliveira, Dados que Marcam a Vida do Padre Cícero Romão pg.09, Juazeiro do Norte 1983 (Brochura).

08 -  Amália Xavier de Oliveira, o Padre Cícero que eu conheci pg.266- Rio    de Janeiro 1969. Obs. Não consta no livro o nome da editora.

09 – M. Diniz – Mistérios do Joazeiro – Historia completa do Padre Cícero          Romão Batista do Joazeiro do Ceará - pg. 141- Tipografia do “O     Joazeiro”-        Joazeiro –Ceará

10-       Geraldo Menezes Barbosa, História do Padre Cícero ao alcance de todos pg.127- Edições ICVC- Juazeiro do Norte-Ce 1992

11 –     M.Diniz, o.c.pg.142
12-       M.Diniz, o.c.pg142

12 – Sobre a quantidade de mortos verificados na chacina não há uma certeza absoluta. Geraldo Menezes Barbosa não se aventura a        informar a quantidade posto que houve mortos na igreja e outros   baleados foram falecer brejo adentro. Já Padre Néri Feitosa in    “Monsenhor Joviniano   Barreto” pg.17 – Poliantéia –Cadernos do  Cariri Série Biografia nº. 5   1966    Crato-Ce é categórico ao  afirmar que pereceram sete pessoas”“.


BIBLIOGRAFIA
Barbosa, Geraldo Menezes. A História do Padre Cícero ao alcance de todos. Juazeiro do Norte-Ce. ICVC 1992.
Barroso, Gustavo. Terra de sol. Fortaleza-Ce. 1962- Imprensa Oficial do Ceará.
Dinis, M. Mistérios do joazeiro. Juazeiro –ceará 1935 – Tipografia do “O Joazeiro”
Facó, Rui. Cangaceiros e fanáticos. Rio de Janeiro 1980.Editora Civilização Brasileira S/A
Filho, J.de Figueiredo. História do cariri vol3 cap. 10° ao 14°. Crato-Ce 1966.      Faculdade de Filosofia do Crato.
- Filho, José de Figueiredo & Pinheiro, Irineu. Cidade do Crato. Crato-    Ce 1955  Ministério de Educação e Cultura.
Feitosa, Padre Néri. Monsenhor Joviniano Barreto. Crato-Ce. 1966
Oliveira, Amália Xavier. Dados que marcam a vida do padre Cícero Romão Batista. Juazeiro do Norte-ce 1983
Oliveira, Amália Xavier. O padre Cícero que eu conheci. Rio de Janeiro 1969.

Eis uma das torres que o Pe. Esmeraldo pretendia demolir
E  foi impedido pelos  Caceteiros